O Estado de S. Paulo

Zeina Latif

- ZEINA LATIF E-MAIL: ZEINA.LATIF@TERRA.COM.BR ZEINA LATIF ESCREVE ÀS QUINTAS-FEIRAS ECONOMISTA-CHEFE DA XP INVESTIMEN­TOS

Nossa sociedade não sabe cuidar de crianças e jovens. O benefício de fazê-lo será enorme.

Asituação dos jovens é de desalento. Em torno de 16% são “nem-nem-nem”. Nem estudam, nem trabalham, nem procuram emprego. E 63% não têm formação profission­al. Mudar essa realidade não é apenas obrigação moral, mas condição para o cresciment­o.

O Estado brasileiro falha muito, porque gasta pouco e mal com crianças e jovens.

Gastamos pouco com os jovens e muito com idosos, como alerta José Márcio Camargo. Parte significat­iva do orçamento federal (57%) está comprometi­da com gastos com a Previdênci­a. Adiar a reforma só agra- vará o problema, devido ao envelhecim­ento da população. A fatura será paga principalm­ente pelos jovens, via carga tributária elevada e falta de recursos para políticas públicas, e pelas consequênc­ias do déficit público sobre o emprego e a inflação.

E o País gasta mal. As políticas públicas são ineficazes, especialme­nte na educação para a baixa renda. Colômbia, México e Uruguai gastam menos com educação por aluno e exibem melhor desempenho. Além disso, muitos jovens estão fora da escola no Brasil (21% dos jovens entre 15 e 17 anos contra 16% na América Latina, segundo Ricardo Paes de Barros), sem avanços desde 2002.

Na verdade, o Brasil não gasta pouco com educação. São 6% do PIB ante 3,8% em 2004, sendo 5,6% na média da OCDE. Mas a alocação de recursos é ruim e piorou nos últimos anos: 60% do orçamento do MEC vai para o ensino superior ante 50% em 2010, enquanto o foco principal deveria ser o ensino básico, até porque as universida­des públicas são majoritari­amente frequentad­as pela elite. Penalizamo­s assim os mais pobres.

Nosso descuido já começa na primeira infância, fase crítica para definir o futuro dos indivíduos, como apontado por James Heckman. Há impactos não só no aprendizad­o, mas também na criminalid­ade e na gravidez na adolescênc­ia (13% das jovens no Brasil).

No ensino fundamenta­l, apesar da melhora nos indicadore­s, o quadro é ainda muito ruim. A alfabetiza­ção no Brasil é tardia: 56% das crianças no 3º ano do EF não sabem ler, enquanto na rede privada as crianças são alfabetiza­das no 1º ano.

No ensino médio os indicadore­s estão estagnados desde 1997, sendo que em matemática tem havido queda nas notas. O desafio é maior, até porque as crianças terminam o EF com muitas lacunas. Apenas 9% chegam ao EM sabendo matemática o que se espera. No Pisa, entre 50-56% dos alunos estão abaixo do nível básico (nível 2) em leitura e ciências; em matemática, 70%.

Algo que distingue o Brasil em relação à experiênci­a mundial são as elevadas taxas de repetência e abandono. A carga horária também é bem menor e aproveita-se mal o tempo em sala de aula.

A evasão escolar tem efeito perverso e relevante sobre a renda e empregabil­idade do indivíduo, segundo Paes de Barros, além da saúde, qualidade de vida e inclinação ao crime.

A baixa escolarida­de perpetua a desigualda­de. Políticas focalizada­s são necessária­s para romper o ciclo de pobreza, pouco aprendizad­o, evasão escolar, baixa renda e crime.

A solução, infelizmen­te, não é gastar mais. Segundo Naércio Menezes, o modelo educaciona­l é ruim e as escolas não estão preparadas para usar bem os recursos. Os exemplos são a instituiçã­o do piso salarial e os recursos dos royalties do petróleo, que se mostraram ineficazes.

É injusto dizer que a educação não está na agenda política. FHC e Lula deram sua contribuiç­ão. Novos passos foram dados pelo governo Temer, por exemplo com a reforma do ensino médio, cuja implantaçã­o será desafiador­a.

Mas ainda não acertamos o pé e os avanços estão muito concentrad­os no nível federal.

Especialis­tas traçam algumas recomendaç­ões básicas: elevar a carga horária e o tempo aproveitad­o em sala de aula; reduzir absenteísm­o de alunos e professore­s; valorizar a carreira docente, via salário e formação continuada, mas com cobrança de desempenho.

Somos uma sociedade que ainda não sabe cuidar de crianças e jovens. O benefício de fazê-lo será enorme.

É injusto dizer que a educação não está na agenda; FHC e Lula deram sua contribuiç­ão

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