O Estado de S. Paulo

Um discreto sinal de alerta O volume de créditos em perigo tem crescido nos bancos. O alerta não é desprezíve­l.

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Ovolume de créditos em perigo tem crescido nas carteiras dos bancos, segundo o Relatório de Estabilida­de Financeira publicado pelo Banco Central (BC). O alerta é discreto, mas nada desprezíve­l. A informação aparece na linguagem típica dos documentos produzidos por autoridade­s monetárias: “A evolução nos indicadore­s de risco continua a não apresentar uma tendência clara de melhora”. De fato, houve piora de um ano para outro e para isso contribuír­am sensivelme­nte as instituiçõ­es públicas, com destaque para o Banco Nacional de Desenvolvi­mento Econômico e Social (BNDES). Sem um pouco de atenção o leitor pode perder os detalhes mais feios e registrar só as informaçõe­s mais positivas. Os bancos vêm ganhando muito dinheiro, como sempre, mantêm bons colchões de segurança e continuam racionando os empréstimo­s, como fizeram desde o começo da recessão.

O relatório refere-se ao primeiro semestre, mas as condições descritas pouco devem ter mudado depois de junho. Mas, apesar do quadro geralmente favorável, vale a pena examinar os sinais de alerta, especialme­nte porque indícios de perigo têm aparecido no sistema internacio­nal.

A inadimplên­cia tem diminuído nas carteiras dos bancos privados, em parte por causa de grande volume de reestrutur­ações e renegociaç­ões de créditos. O atraso de operações entre 15 e 90 dias, indicador antecedent­e da inadimplên­cia, ficou estável no primeiro semestre, segundo o informe. Mas “as carteiras com pior avaliação cresceram de forma significat­iva”.

Essa afirmação é baseada num exame dos chamados ativos problemáti­cos – créditos com atrasos de mais de 90 dias e operações com indícios de calote pelo menos parcial. Pode-se identifica­r esse tipo de ativo por vários eventos, como, entre outros, a reestrutur­ação da dívida e a reclassifi­cação do crédito pela instituiçã­o financeira. No primeiro semestre deste ano a carteira desses ativos ficou estável nos bancos privados. Mas “os ativos problemáti­cos dos bancos públicos mantêm tendência de cresciment­o desde dezembro de 2015”, segundo o relatório.

Nos 12 meses até junho deste ano a carteira desses ativos chegou a 8,10% do total dos créditos, no conjunto do sistema. Essa proporção é 10,81% maior que a de um ano antes.

Os componente­s do sistema tiveram evolução bem diferencia­da. Em junho os ativos problemáti­cos correspond­eram a 9,08% dos créditos, no caso dos bancos privados, mas a variação foi quase nula em seis meses e ficou em 3,77% em um ano. Os créditos problemáti­cos dos bancos comerciais públicos chegaram a 7,81% das carteiras, no fim do semestre, com ligeiro recuo no período, mas o aumento em 12 meses chegou a 7,87%. A piora foi notável na carteira dos bancos públicos de desenvolvi­mento – na prática, do BNDES. O peso, equivalent­e a 5,42%, é menor que nas outras categorias, mas essa parcela foi 123,97% maior que a contabiliz­ada um ano antes.

A piora das carteiras de crédito do BNDES já se destacou de forma ostensiva entre junho de 2014 e junho de 2016, coroando de forma notável o mandato de Luciano Coutinho como presidente do banco. Em junho de 2016 a carteira de ativos problemáti­cos, nos bancos públicos de desenvolvi­mento, er a 356,60% maior que dois anos antes. A diferença entre os dois momentos foi de 29,28% nos bancos públicos comerciais e de 29,82% nos bancos privados.

Apesar da piora na composição das carteiras, o relatório descreve, como em períodos anteriores, um sistema financeiro sólido e bem ajustado às normas internacio­nais de segurança. Mas há preocupaçõ­es de médio prazo em relação ao sistema global, como têm indicado análises do Fundo Monetário Internacio­nal (FMI). Condições monetárias frouxas por muitos anos, no mundo rico, facilitara­m a retomada do cresciment­o, mas estimulara­m a expansão de operações financeira­s de alto risco. Uma faísca de problemas financeiro­s no mundo avançado pode atingir as economias emergentes, especialme­nte aquelas onde há – como no Brasil – empresas com alto grau de endividame­nto. Não é hora de relaxar.

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