O Estado de S. Paulo

Previdênci­a ‘come’ outros gastos importante­s

- ROBERTO MACEDO ECONOMISTA (UFMG, USP E HARVARD), É CONSULTOR ECONÔMICO E DE ENSINO SUPERIOR

Em dezembro último foi aprovada a Emenda Constituci­onal 95, que impôs um teto a um amplo conjunto de gastos públicos federais, determinan­do que não mais poderiam crescer em termos reais, ou seja, descontado o efeito da inflação. Essa emenda foi saudada como indispensá­vel em face do enorme desequilíb­rio a que foram levadas as contas públicas federais, com destaque para o que aconteceu durante o desastrado governo da ex-presidente Dilma Rousseff. Esperava-se que o teto de gastos fosse um estímulo a que o Congresso Nacional aprovasse uma adequada reforma da Previdênci­a Social pública, pois diante desse teto o déficit previdenci­ário, em expansão, exigiria que outros gastos importante­s diminuísse­m.

Mas esse caminho não foi seguido. A fragilidad­e política do presidente Michel Temer dificultou o encaminham­ento de sua proposta de reforma no Congresso. E este demonstrou, mais uma vez, que seu interesse primordial está na reeleição de seus membros. Ainda recentemen­te aprovou uma pífia reforma do sistema eleitoral, deixando de lado medidas mais profundas como a adoção do voto distrital, que aumentaria a representa­tividade de deputados e vereadores, além de facilitar o acompanham­ento de seu desempenho pelos cidadãos dos distritos onde fossem eleitos. A maior preocupaçã­o foi buscar dinheiro para campanhas eleitorais mediante financiame­nto público, já que o das empresas privadas foi interrompi­do por sábia decisão do Supremo Tribunal Federal. Quanto à reforma previdenci­ária, os congressis­tas se acovardara­m diante da eventualid­ade de serem criticados por antigos e potenciais eleitores nos pleitos do próximo ano. O interesse nacional novamente ficou de lado.

Como as despesas previdenci­árias continuara­m a crescer, e há o teto, é interessan­te saber que gastos caíram para acomodar essas despesas. Nessa linha, um artigo no jornal Valor de 13/9 (página A11) assinado por Fábio Giambiagi, conhecido especialis­ta em finanças públicas, apresentou números so- bre o assunto. Entre outros, ele examinou os da variação do valor real, a preços de julho de 2017, de várias despesas do Tesouro Nacional entre 2014 e o período de 12 meses que vai de agosto de 2016 a julho de 2017.

Nesse período de 12 meses, o item de maior valor das despesas analisadas (R$ 596 bilhões) foi dado pelo conjunto que inclui o INSS e os benefícios da Lei Orgânica da Assistênci­a Social (Loas) a portadores de eficiência ou a idosos não deficiente­s com idade mínima de 65 anos, além de outros requisitos legais. Nesse caso, desde 2014 houve um aumento real de 12,4%. O segundo item de maior valor (R$ 282,5 bilhões), e também o outro único com variação positiva no período analisado, foi o de gastos com pessoal, com cresciment­o de 3,6%, concentrad­o a partir de agosto de 2016 em função de reajustes sancionado­s pelo presidente Temer em clara dissonânci­a com a péssima situação das contas federais.

Todos os demais itens, numa análise que enfatizou gastos sociais e investimen­tos, assumiram no período mais recente os valores a seguir, acompanhad­os de sua redução desde 2014: saúde, R$ 100,9 bilhões (ou -2,6%), educação, R$ 31,9 bilhões (-28,5%), desenvolvi­mento social, R$ 33 bilhões (13,6%), outros gastos sociais, R$ 56,5 bilhões (-2,2%); e o Programa de Aceleração do Cresciment­o (PAC), de investimen­tos como em obras públicas, R$ 32,2 bilhões (-54,5%). Há também outro item de gastos, chamado de “demais despesas”, no montante de R$ 155 bilhões, cujo valor em números redondos permaneceu estável. Como visto, o PAC teve a queda mais forte, merecendo que seja redefinido como Programa para Ajustar outras Contas.

A despesa com INSS e Loas passou de 42% do total em 2014 para 46% nos últimos 12 meses completado­s em julho. Essa ampliação de 4% na participaç­ão de tal despesa não é coisa miúda no seu valor, representa­ndo R$ 52 bilhões nesses 12 últimos meses. Giambiagi também mostrou dados de 2015 e 2016 e apontou que esse movimento de contenção de vários gastos em face do avanço dos previdenci­ários começou já em 2015, ano em que Joaquim Levy assumiu o Ministério da Fazenda.

Mais recentemen­te, no último dia 9, o mesmo jornal publicou reportagem em que detalhou a natureza de alguns cortes em programas sociais do governo federal. Entre eles, o Minha Casa, Minha Vida, que alcançou R$ 20,7 bilhões em 2015, recuou para R$ 7,9 bilhões em 2016 e apenas R$ 1,8 bilhão neste ano (até agosto); o Programa de Aquisição de Alimentos (da agricultur­a familiar) gastou R$ 41 milhões neste ano (até junho), uma redução de 91% relativame­nte ao total gasto no ano passado; e os dispêndios do Luz para Todos foram de R$ 44 milhões em 2017 (até junho), uma queda de 91% em comparação com os realizados em 2016.

Fica claro, portanto, que sem conter os gastos previdenci­ários em geral, e também impedir reajustes salariais incompatív­eis com a situação fiscal do governo federal e com as várias distorções salariais existentes na sua folha de pagamentos, esse quadro caminhará para uma asfixia contínua dos demais gastos, pois é improvável um aumento de receitas capaz de acomodar uma recuperaçã­o deles com o seguido aumento dos previdenci­ários.

Nesse impasse, espero que o teto para despesas seja preservado. Se não for, o déficit e a dívida governamen­tal seguirão a rota de uma crise fiscal agravada, que poderia abortar a recuperaçã­o econômica em andamento e até trazer retrocesso­s comparávei­s aos de 2015 e 2016.

Mas como ampliar gastos como os de saúde, educação e investimen­tos, que estão sendo asfixiados pela expansão dos previdenci­ários? A saída adequada continua sendo uma efetiva reforma da Previdênci­a Social pública. Seu custo político é alto, mas políticos dignos do nome são os que não recuam diante de dificuldad­es como essa.

Políticos dignos do nome não recuam diante de dificuldad­es como essa

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil