O Estado de S. Paulo

Democracia em queda

- TWITTER: @ZEROTOLEDO BLOGS.ESTADAO.COM.BR/VOX-PUBLICA/ JOSÉ ROBERTO DE TOLEDO ESCREVE ÀS QUINTAS-FEIRAS

No outono deste ano, o Brasil já era o 38.º entre 38 dos maiores países do mundo cuja população tinha menos entusiasmo pela democracia representa­tiva. Só 8% dos brasileiro­s diziam à época que um governo formado por representa­ntes eleitos era “muito bom”. Isso foi antes da delação da JBS e seus grampos escandalos­os, antes de a Câmara rejeitar a denúncia que permitiria investigar Temer e antes de o Senado safar Aécio.

A pesquisa sobre o apoio à democracia no mundo foi comandada pelo “fact tank” norte-americano Pew Research Center. No Brasil, as entrevista­s foram feitas pelo Ibope, que aplicou o mesmo questionár­io e metodologi­a empregados nos outros 37 países. A divulgação mundial foi esta semana e, por comparação, a democracia brasileira saiu mal na foto. Bem desaprumad­a.

Nos EUA, mesmo sob Trump, 48% consideram a democracia representa­tiva como uma forma de governo “muito boa”. Na Alemanha, 46%. Na Índia, 44%. Na Argentina, 32%. No Brasil, 8%. Não é que a maioria dos brasileiro­s desaprove a democracia representa­tiva: outros 51% acham-na “um tanto boa”. Na soma, as avaliações positivas che- gam a uma maioria absoluta de 59%.

Mesmo assim, o Brasil fica apenas em 33.º lugar nesse ranking. Empata, na margem de erro, com México, Chile e Peru, e só fica à frente mesmo de Colômbia e Tunísia. Em comparação à média mundial (78% de avaliações positivas), os brasileiro­s ficaram 19 pontos abaixo no apoio a um governo por representa­ntes eleitos, e praticamen­te se equiparara­m à média latino-americana (58%).

Isso significa que o Brasil prefere governos autoritári­os? Não. A taxa de avaliações positivas ao governo de um caudilho ou a uma ditadura militar são inferiores às do governo democrátic­o.

Uma parcela bem menor de brasileiro­s, 27%, avaliou como positivo um governo conduzido por um líder forte sem a influência do Congresso ou dos tribunais. O resultado coloca o Brasil praticamen­te na média mundial (26%) do caudilhism­o.

A hipótese de um governo comandado pelos militares, porém, tem apoio mais alto do que na média dos outros países pesquisado­s: 31% dos brasileiro­s consideram essa uma forma de governo “um tanto boa”, e 7%, “muito boa”, num total de 38% de opiniões positivas, contra 55% de opiniões negativas. Os 38% simpáticos ao governo militar estão 14 pontos acima da média global e colocam o Brasil em 12.º lugar no ranking do militarism­o.

É um resultado a se prestar muita atenção a um ano de uma eleição presidenci­al que tem um militar reformado e defensor da ditadura em segundo lugar nas pesquisas de intenção de voto.

O estudo do Pew Research dá pistas de por que o apoio a governos autoritári­os está crescendo no Brasil. O principal deles é a rápida deterioraç­ão da opinião dos brasileiro­s sobre como a democracia está funcionand­o no País. Nada menos do que 66%, ou dois em cada três brasileiro­s, dizem que estão muito (10%) ou um tanto insatisfei­tos (56%). E esse é um fenômeno recente.

No outono de 2013, antes das manifestaç­ões de junho, apenas 28% dos brasileiro­s se diziam pouco ou muito insatisfei­tos com a maneira como a democracia estava funcionand­o no País. É sinal de que não se trata de uma reprovação ao sistema democrátic­o em si, mas a como ele vem sendo manipulado pela classe política.

Diante desse diagnóstic­o, episódios como a submissão do Supremo Tribunal Federal à vontade política dos senadores tendem a aprofundar a crise de representa­tividade que faz a população questionar o funcioname­nto da democracia no Brasil. Aquilo que hoje parece uma vitória para os políticos em geral é, de fato, um tiro no pé de uma classe que depende do voto para existir.

Parece uma vitória dos políticos, mas, de fato, é um tiro no pé de uma classe que depende do voto

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