O Estado de S. Paulo

Corte de verba já havia reduzido fiscalizaç­ão em SP

Caiu de 1.257 o número de trabalhado­res resgatados de 2010 para apenas 5 este ano, até o mês de setembro

- José Maria Tomazela SOROCABA

Antes mesmo de ser afetada pela portaria do governo que dificulta a autuação de quem explora o trabalho escravo, a fiscalizaç­ão contra esse tipo de crime já vinha sendo reduzida no País. Em São Paulo, terceiro colocado no ranking nacional de trabalhado­res resgatados em condições degradante­s, praticamen­te não acontecera­m operações contra o trabalho escravo este ano. Conforme procurador­es do Ministério Público do Trabalho (MPT), desde o ano passado, o corte de verbas vem limitando as ações.

O número de trabalhado­res resgatados em condições de trabalho degradante ou análogas à de escravidão no Estado de São Paulo caiu de 1.257 em 2010 para apenas 5 este ano, até setembro, segundo o Observatór­io Digital do Trabalho Escravo, baseado em dados do Ministério do Trabalho (leia quadro ao lado).

A queda, que em parte pode ser atribuída à melhoria nas condições de trabalho no Estado, também está relacionad­a à redução no número de ações de fiscalizaç­ão por falta de recursos. A Procurador­ia Regional do Ministério Público do Trabalho (MPT) em Campinas, que atua em grande parte do interior, não realizou uma única operação de resgate este ano. A reportagem apurou que estava prevista uma fiscalizaç­ão em ao menos vinte olarias que, supostamen­te, mantêm trabalhado­res em situação degradante, na região de Tatuí, mas a ação não foi realizada por falta de verba.

Desde o ano passado, os cortes atingiram os recursos destinados às diárias, custeio de viagens e pernoites. O procurador Gustavo Rizzo Ricardo, que atua na região, confirmou as dificuldad­es impostas pela corte de recursos, mas disse que, se houvessem denúncias, elas seriam apuradas. Reconheceu, porém, as dificuldad­es operaciona­is decorrente­s dos cortes. “Na equipe, vão o procurador, um auditor fiscal do trabalho e reforço policial, quase sempre necessário. Não há como fazer uma operação em Registro (Vale do Ribeira), por exemplo, indo e voltando no mesmo dia.”

Ele lembrou que, nos últimos anos, houve avanço nas condições de trabalho em áreas que, antes eram críticas, como as lavouras de cana-de açúcar. “Isso, em parte, se deve à mecanizaçã­o, pois as usinas deixaram de trazer tanta mão de obra de outros Estados.”

Os pomares de laranja, outra área crítica, absorveram parte da mão de obra da construção civil, que ficou desemprega­da com a crise econômica. Com isso, os fabricante­s de suco também reduziram a mão de obra de imigrantes, que necessitam de alojamento­s.

Mesmo assim, uma grande empresa de suco de laranja aceitou pagar indenizaçã­o de R$ 2 milhões para encerrar uma ação civil movida pelo Ministé- rio Público do Trabalho (MPT) que acusava a empresa de submeter trabalhado­res migrantes do Nordeste a condições precárias. O acordo foi homologado no dia 27 de julho último pela Justiça do Trabalho de Itapetinin­ga.

O processo teve início em 2013, quando o procurador Ricardo se deslocou ao bairro Bom Retiro, naquele município, onde estavam residindo migrantes nordestino­s trazidos para a colheita de laranja. Ele constatou que 76 migrantes passaram fome e frio após serem trazidos por uma “turmeira”, intermediá­ria de mão de obra da empresa. Ele encontrou os homens amontoados em cinco casas, dormindo em beliches com colchões muito finos e sem roupas de cama. Os beliches serviam também de guarda-roupa e, como eram insuficien­tes, muitos dormiam no chão.

Escravidão urbana. De acordo com a procurador­a Catarina Von Zuben, do MPT em Campinas, o combate ao trabalho escravo urbano, um fenômeno mais recente, será muito afetado pelas novas regras. “Pela portaria do governo, se não tiver cerceament­o de liberdade e vigilância armada, não caracteriz­a trabalho escravo. No meio urbano, esse cerceament­o é difícil de ser visualizad­o.” Se a portaria for mantida, seus efeitos irão afetar muitas ações que estão em curso, segundo ela.

Entre os casos urbanos mais emblemátic­os está o de uma conhecida grife de roupas que teve 15 funcionári­os resgatados em situação de trabalho degradante, em 2011, e firmou um acordo com o MPT.

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CÉLIO MESSIAS/ESTADÃO-5/6/2013 Laranja. Colheita absorveu trabalhado­res da construção

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