EUA ganham novos polos de startups de alto crescimento.
País tem hoje cerca de 30 mil startups de crescimento acelerado – e muitas prosperam em locais inesperados
Àprimeira vista, a economia dos Estados Unidos parece estar perdendo seu toque mágico. Muitos economistas, como Robert Gordon, da Universidade Northwestern, lamentam que o crescimento da produtividade apresente ritmo tão anêmico em comparado com períodos gloriosos do passado. Líderes empresariais ecoam a choradeira que alguns veículos de imprensa transformaram em mantra: o empreendedorismo americano está em franco declínio. Se é assim, a competitividade da economia como um todo deve estar desabando, certo?
Nada disso. Pelo menos é o que mostra o ranking global de competitividade, elaborado desde 2012 pelo Fórum Econômico Mundial (FEM). Em sua mais recente edição, divulgada em 27 de setembro, os EUA subiram da terceira para a segunda colocação. Estão atrás apenas da Suíça.
Isso se deve, em parte, ao fato de que erros de política econômica e baixos ganhos de produtividade têm prejudicado concorrentes como China e Europa. Mesmo assim, problemas flagrantes nos EUA, como a deterioração da infraestrutura e a polarização política, são contrabalançados, na análise do FEM, pela superioridade do país em áreas como sofisticação empresarial e nível de prontidão tecnológica. Desconsiderando o tamanho de seu mercado, a variável em que os EUA mais deixam os demais países desenvolvidos para trás é sua cultura de inovação e empreendedorismo.
A preocupação com o declínio do espírito empreendedor dos americanos se baseia em dados oficiais que apontam para uma queda na criação de novas empresas. Os números mais recentes, divulgados em meados de setembro, mostram que, em 2015 (último ano para o qual há informações disponíveis), havia nos EUA 414 mil empresas em atividade há menos de um ano. Na década que precedeu a crise financeira, a média era de 511 mil. Acontece que as novas empresas não são iguais. Entre os empreendedores, há quem sonhe em criar a próxima Tesla. Outros se contentam em abrir um novo boteco. Segundo a Fundação Kauffman, conhecida por sua atuação no fomento ao empreendedorismo, das cerca de 4,4 milhões de empresas criadas nos últimos dez anos nos EUA, aproximadamente 30 mil podem ser chamadas de “gazelas”, isto é, empresas jovens, que crescem em ritmo extremamente acelerado. Essas companhias têm um impacto desproporcional na inovação e criação de empregos.
Estudo a ser divulgado em breve pela Kauffman mostra também que o empreendedorismo de crescimento acelerado se recuperou da prostração em que havia sido lançado pela crise financeira global, e já avança a todo galope no país. São três os critérios examinados pelos autores do estudo: o ritmo em que as startups se expandiram em seus primeiros cinco anos de atividade; a fatia de empresas cuja folha de pagamentos ultrapassa os 50 funcionários até o décimo ano de existência; e o índice de companhias de crescimento acelerado que apresentam pelo menos 20% de expansão anualizada ao longo de três anos (e US$ 2 milhões ou mais em faturamento).
Novos eixos. Por outro lado, a análise mostra que essas gazelas prosperam em lugares inesperados. É o caso da ProviderTrust. A companhia desenvolveu um software que auxilia empresas do setor de saúde a verificar as credenciais dos profissionais da área. Como as autoridades estaduais americanas não compartilham informações sobre processos disciplinares instaurados contra profissionais da saúde, as empresas do setor correm o risco de contratar indivíduos que foram processados (por conta de condutas irresponsáveis ou por terem fraudado suas qualificações) em outros Estados. Desde que foi criada, em 2010, a startup vem crescendo a um ritmo anual de 60%; o faturamento deve chegar a US$ 10 milhões este ano.
Há também a Root Insurance, primeira seguradora dos EUA que opera exclusivamente por dispositivos móveis. Os downloads de seu aplicativo crescem quase 50% ao mês. A companhia utiliza dados sobre o estilo de condução do cliente para calcular o prêmio que ele deverá pagar ao contratar um seguro de carro, oferecendo descontos aos proprietários de veículos Tesla que circulam pelas ruas com o modo de condução autônoma ativo. O executivo Alex Timm diz que os dados coletados via dispositivos móveis dos clientes comprovam que as ruas ficam muito mais seguras quando o volante é deixado nas mãos do veículo. Pela análise de microvibrações nos smartphones dos clientes, a seguradora consegue penalizar os motoristas que digitam mensagens enquanto dirigem.
Essas gazelas do empreendedorismo americano não nasceram no Vale do Silício ou em Boston, e sim, respecti- vamente, em Nashville, capital do Tennessee, e Columbus, Ohio. De fato, há diversas outras cidades no interior dos EUA em que o empreendedorismo acelerado está em alta, embora estejam fora do radar da maioria dos investidores. Mark Kvamme, do fundo de capital de risco Drive Capital, diz que Indianapolis, é uma delas. Foi lá que, em 2012, nasceu a desenvolvedora de softwares ExactTarget. Um ano depois a startup foi adquirida por US$ 2,5 bilhões pela gigante de softwares californiana Salesforce. “Está ficando mais fácil tirar talentos do Vale do Silício e de Seattle”, diz Kvamme.
Steve Case, empresário que 1985 fundou a companhia que viria a dar origem à America Online e que desde 2005 comanda o fundo de capital de risco Revolution, chama o fenômeno de “ascensão dos demais”. Com base nas viagens de ônibus que faz periodicamente pelos EUA, Case enumera três os fatores por trás da tendência. As barreiras de entrada tornaram-se menores, em especial para empresas de tecnologia. O acesso a capital de risco para startups, inclusive por meio de crowdfunding, se democratizou. Os governos locais vêm investindo em treinamento, formação de aceleradoras e outros mecanismos de fomento.
Case admite que a concentração em grandes polos de empreendedorismo é importante, mas ressalva que não faz sentido despejar 75% dos recursos de capital de risco na Califórnia, em Massachusetts e em Nova York. “Se conseguíssemos espalhar investimentos por 30 cidades, isso transformaria os EUA.”