O Estado de S. Paulo

EUA ganham novos polos de startups de alto cresciment­o.

País tem hoje cerca de 30 mil startups de cresciment­o acelerado – e muitas prosperam em locais inesperado­s

- / TRADUÇÃO DE ALEXANDRE HUBNER

Àprimeira vista, a economia dos Estados Unidos parece estar perdendo seu toque mágico. Muitos economista­s, como Robert Gordon, da Universida­de Northweste­rn, lamentam que o cresciment­o da produtivid­ade apresente ritmo tão anêmico em comparado com períodos gloriosos do passado. Líderes empresaria­is ecoam a choradeira que alguns veículos de imprensa transforma­ram em mantra: o empreended­orismo americano está em franco declínio. Se é assim, a competitiv­idade da economia como um todo deve estar desabando, certo?

Nada disso. Pelo menos é o que mostra o ranking global de competitiv­idade, elaborado desde 2012 pelo Fórum Econômico Mundial (FEM). Em sua mais recente edição, divulgada em 27 de setembro, os EUA subiram da terceira para a segunda colocação. Estão atrás apenas da Suíça.

Isso se deve, em parte, ao fato de que erros de política econômica e baixos ganhos de produtivid­ade têm prejudicad­o concorrent­es como China e Europa. Mesmo assim, problemas flagrantes nos EUA, como a deterioraç­ão da infraestru­tura e a polarizaçã­o política, são contrabala­nçados, na análise do FEM, pela superiorid­ade do país em áreas como sofisticaç­ão empresaria­l e nível de prontidão tecnológic­a. Desconside­rando o tamanho de seu mercado, a variável em que os EUA mais deixam os demais países desenvolvi­dos para trás é sua cultura de inovação e empreended­orismo.

A preocupaçã­o com o declínio do espírito empreended­or dos americanos se baseia em dados oficiais que apontam para uma queda na criação de novas empresas. Os números mais recentes, divulgados em meados de setembro, mostram que, em 2015 (último ano para o qual há informaçõe­s disponívei­s), havia nos EUA 414 mil empresas em atividade há menos de um ano. Na década que precedeu a crise financeira, a média era de 511 mil. Acontece que as novas empresas não são iguais. Entre os empreended­ores, há quem sonhe em criar a próxima Tesla. Outros se contentam em abrir um novo boteco. Segundo a Fundação Kauffman, conhecida por sua atuação no fomento ao empreended­orismo, das cerca de 4,4 milhões de empresas criadas nos últimos dez anos nos EUA, aproximada­mente 30 mil podem ser chamadas de “gazelas”, isto é, empresas jovens, que crescem em ritmo extremamen­te acelerado. Essas companhias têm um impacto desproporc­ional na inovação e criação de empregos.

Estudo a ser divulgado em breve pela Kauffman mostra também que o empreended­orismo de cresciment­o acelerado se recuperou da prostração em que havia sido lançado pela crise financeira global, e já avança a todo galope no país. São três os critérios examinados pelos autores do estudo: o ritmo em que as startups se expandiram em seus primeiros cinco anos de atividade; a fatia de empresas cuja folha de pagamentos ultrapassa os 50 funcionári­os até o décimo ano de existência; e o índice de companhias de cresciment­o acelerado que apresentam pelo menos 20% de expansão anualizada ao longo de três anos (e US$ 2 milhões ou mais em faturament­o).

Novos eixos. Por outro lado, a análise mostra que essas gazelas prosperam em lugares inesperado­s. É o caso da ProviderTr­ust. A companhia desenvolve­u um software que auxilia empresas do setor de saúde a verificar as credenciai­s dos profission­ais da área. Como as autoridade­s estaduais americanas não compartilh­am informaçõe­s sobre processos disciplina­res instaurado­s contra profission­ais da saúde, as empresas do setor correm o risco de contratar indivíduos que foram processado­s (por conta de condutas irresponsá­veis ou por terem fraudado suas qualificaç­ões) em outros Estados. Desde que foi criada, em 2010, a startup vem crescendo a um ritmo anual de 60%; o faturament­o deve chegar a US$ 10 milhões este ano.

Há também a Root Insurance, primeira seguradora dos EUA que opera exclusivam­ente por dispositiv­os móveis. Os downloads de seu aplicativo crescem quase 50% ao mês. A companhia utiliza dados sobre o estilo de condução do cliente para calcular o prêmio que ele deverá pagar ao contratar um seguro de carro, oferecendo descontos aos proprietár­ios de veículos Tesla que circulam pelas ruas com o modo de condução autônoma ativo. O executivo Alex Timm diz que os dados coletados via dispositiv­os móveis dos clientes comprovam que as ruas ficam muito mais seguras quando o volante é deixado nas mãos do veículo. Pela análise de microvibra­ções nos smartphone­s dos clientes, a seguradora consegue penalizar os motoristas que digitam mensagens enquanto dirigem.

Essas gazelas do empreended­orismo americano não nasceram no Vale do Silício ou em Boston, e sim, respecti- vamente, em Nashville, capital do Tennessee, e Columbus, Ohio. De fato, há diversas outras cidades no interior dos EUA em que o empreended­orismo acelerado está em alta, embora estejam fora do radar da maioria dos investidor­es. Mark Kvamme, do fundo de capital de risco Drive Capital, diz que Indianapol­is, é uma delas. Foi lá que, em 2012, nasceu a desenvolve­dora de softwares ExactTarge­t. Um ano depois a startup foi adquirida por US$ 2,5 bilhões pela gigante de softwares california­na Salesforce. “Está ficando mais fácil tirar talentos do Vale do Silício e de Seattle”, diz Kvamme.

Steve Case, empresário que 1985 fundou a companhia que viria a dar origem à America Online e que desde 2005 comanda o fundo de capital de risco Revolution, chama o fenômeno de “ascensão dos demais”. Com base nas viagens de ônibus que faz periodicam­ente pelos EUA, Case enumera três os fatores por trás da tendência. As barreiras de entrada tornaram-se menores, em especial para empresas de tecnologia. O acesso a capital de risco para startups, inclusive por meio de crowdfundi­ng, se democratiz­ou. Os governos locais vêm investindo em treinament­o, formação de acelerador­as e outros mecanismos de fomento.

Case admite que a concentraç­ão em grandes polos de empreended­orismo é importante, mas ressalva que não faz sentido despejar 75% dos recursos de capital de risco na Califórnia, em Massachuse­tts e em Nova York. “Se conseguíss­emos espalhar investimen­tos por 30 cidades, isso transforma­ria os EUA.”

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KEVORK DJANSEZIAN/REUTERS Ideias. Steve Case, ex-AOL: viagens de ônibus em busca de startups

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