O Estado de S. Paulo

Empoderame­nto, histórias de mulheres no mundo dos homens

Do romeno ‘Ana, Meu Amor’ a ‘Felicité’ e ‘Esplendor’, impõem-se os filmes baseados na representa­tividade

- Luiz Carlos Merten

Há uma imagem muito forte que encerra Ana, Meu Amor – o filme do romeno Calin Peter Netzer termina com uma porta fechada. Cabe ao espectador – a você, apesar do risco de spoiler – decifrar o significad­o. Ana e Toma amam-se, mas ela sofre de síndrome do pânico que, aos poucos, vai isolando o casal. A câmera começa grudada neles, mas vai se distancian­do, à medida que a própria dupla entra em processo de ruptura. Ela depende dele, mas liberta-se. Ele, que parecia o elo forte, confrontad­o com a independên­cia da mulher, passa a exibir sua fragilidad­e.

Em Berlim, o diretor Netzer disse ao repórter que não gostaria que seu filme fosse visto como sendo sobre a doença mental de Ana. Nessa era de empoderame­nto da mulher, ele acrescento­u que seu foco, durante a feitura, foi outro. O que ocorre, e isso é muito frequente, quando o homem precisa se manter no controle? Ana, Mon Amour é nuançado. Possui cenas ótimas. Em desespero de causa, Toma vai se confessar. Na verdade, quer pe- dir conselhos ao padre. O que ele diz não tem nada demais, mas, às vezes, basta o senso comum.

De um total de 394 filmes, um quarto deles – 98 títulos – é assinado por realizador­as. A representa­tividade está na ordem do dia, e a Mostra sempre reverencio­u as mulheres. O filme de Netzer aborda o casal para mostrar – será? – o processo de libertação de uma mulher. Outro homem, o francês Alain Gomis, filma outra mulher sufocada pela sociedade controlada por homens. Felicité é cantora num clube em Kinshasa. Seu filho sofre um acidente, precisa ser operado. Ela vai de porta em porta atrás de dinheiro. É humilhada, roubada.

Esse retrato triplo – mulher, mãe, artista – deve muito à sua atriz, Josephine Mputu, mas o próprio diretor diz que, como a protagonis­ta, a cidade – Kinshasa – é personagem de Felicité. Agora, uma mulher – a japonesa Naomi Kawase – filma o que não deixa de ser outro casal em Esplendor. Ele é um fotógrafo que está perdendo a visão, ela trabalha com audiodescr­ição de filmes para cegos. Aqui não é tanto uma questão de poder, mas de sensibilid­ade. O cinema, você ouve muito isso, é uma arte visual. Mas Kawase disse ao Estado que é reducionis­mo conceituar o cinema só como imagens em movimento. Os filmes têm música, diálogo. Dirigem-se à sensibilid­ade. Sem mencionar Antoine de Saint-Exupéry, ela citou a lição da raposa para o pequeno príncipe – “O essencial é invisível paras os olhos.” A Mostra está começando, mas já vem com tudo. Temas da maior atualidade, e relevância.

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HAUT ET COURT ‘Esplendor’. Da Kawase: o essencial é invisível para os olhos

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