BITCOINS CONTRA INFLAÇÃO NA VENEZUELA
Criptomoeda movimenta US$ 1 milhão mensais no país e pode render o dobro do salário mínimo
Um prédio de escritório em Caracas guarda um segredo: 20 computadores que “garimpam bitcoins”– moeda virtual sem vínculo a nenhum banco central criada a partir do processamento de dados em larga escala. A criptomoeda, como é chamada essa es- pécie de dinheiro virtual contestada em muitos países, está se popularizando na Venezuela.
Alguns usuários conseguem milhares de dólares por mês ao destinar computadores especiais para a mineração dos bitcoins – processo por meio do qual computadores resolvem operações matemáticas que requerem um grande volume de processamento de dados e, como pagamento, recebem a moeda virtual em troca. Com isso, pessoas comuns adaptam seus computadores e conseguem obter mais ou menos US$ 15 por mês. Parece pouco, mas, no mercado negro, esse dinheiro se transforma em 500 mil bolívares, quase o dobro do salário mínimo atual, cotado em 35o mil bolívares.
De acordo com Randy Brito, fundador do site BitcoinVenezuela.com, a atividade de garimpar criptomoedas começou em 2014, quando a queda do petróleo agravou a crise econômica no país. Verónica – que prefere não dar seu nome real – trabalha com a mineração de bitcoins e disse que seu chefe instalou o programa em 2015, por recomendação do filho de um sócio. “Algumas máquinas ren- dem US$ 800 por mês, mas algumas são muito velhas”, diz. “Ficam ligadas todos os dias e meu chefe recebe um e-mail dizendo quanto dinheiro recebeu.”
Ao observar os ganhos do chefe com a especulação de criptomoedas, Verónica juntou dinheiro para comprar um computador com dois amigos. Hoje, os três conseguem ganhos de US$ 920 por mês. O mecanismo per- mite o acesso a dólares cada vez mais escassos e controlados pelo governo do presidente Nicolás Maduro, que tem poucas reservas cambiais em caixa para honrar os compromissos da dívida externa venezuelana, bem como para importar bens e insumos para alimentos e remédios. A inflação neste ano na Venezuela deve chegar a 1.400%, segundo a Ecoanalítica.
Os garimpeiros de bitcoins também usam a criptomoeda para comprar em outros países remédios e comida, escassos na Venezuela. Segundo o site Localbitcoins, as transações envolvendo bitcoins no país somaram US$ 1 milhão no último mês.
Como os computadores gastam muita energia para processar os dados, frequentemente é necessário resfriálos com auxílio de máquinas de ar-condicionado. Por isso, o governo passou a monitorar locais cujo consumo elétrico disparou. “O Sebin (serviço secreto bolivariano) visita esses locais e cobra propina para liberá-los”, diz Verónica.