O impacto da peça que inspirou um adolescente
Há 50 anos, o acordo de Abelardo I explicou como o Brasil se define: uma mistura híbrida de ópera-bufa e tragédia
O Brasil de O Rei da Vela descrito por Oswald de Andrade em 1933 não era muito diferente do Brasil de 1967 – ou de hoje, meio século depois. Era –e é – o Brasil de Abelardo I, que só pode ser explicado como uma mistura de circo, teatro de revista, ópera-bufa e tragédia política. Na época com 15 anos, era a minha segunda peça – a primeira foi Dois Perdidos numa Noite Suja. A transgressão já começava na bilheteria (ambas eram impróprias a menores de 18 anos). Impróprias, sim, mas muito apropriadas para explicar o Brasil, que um ano depois decretaria o Ato Institucional n.º 5, o golpe mortal na democracia.
Para um estudante que crescia numa cidade (Santos) com estivadores politicamente engajados e intelectuais ativos como Pagu (1910-1962), ver O Rei da Vela prometia ser mais um exercício libertário, transgressivo. Foi além. A montagem do Oficina representou para mim uma espécie de epifania: havia, afinal, uma chave para interpretar os acordos imorais que desde sempre se firmaram no País, tomando por base a parábola abelardina do industrial de velas falido – que herdava, se bem me recordo, um tostão de cada morto nacional. E mais: não foi só uma peça, mas um manifesto inspirador com reflexo na música e nas artes visuais. O Rei da Vela, que estreou em setembro de 1967, foi o embrião do movimento tropicalista. É pouco?