O Estado de S. Paulo

ITÁLIA FAZ ALERTA PARA A LAVA JATO

Ex-procurador­es italianos dizem que combate à corrupção no país retrocedeu; Moro e Dallagnol defendem reformas para Brasil ‘ir além’

- Marianna Holanda

Acorrupção na Itália, 25 anos depois de deflagrada a Operação Mãos Limpas, voltou ao nível de antes das investigaç­ões, segundo um dos integrante­s da forçataref­a do país. O desfecho da operação, que inspirou a Lava Jato, faz soar um alerta. No Brasil, protagonis­tas da investigaç­ão defendem “ir além” dos processos judiciais, avisam que a Lava Jato não vai “salvar” o País e cobram a aprovação de reformas políticas, estruturai­s e de educação para combater desvios. As conclusões foram apresentad­as no Fórum Estadão Mãos Limpas e Lava Jato, promovido pelo Estado em parceria com o Centro de Debate de Políticas Públicas (CDPP). Participar­am Gherardo Colombo, juiz aposentado e promotor que conduziu as investigaç­ões na Itália, o juiz Sérgio Moro, o procurador Deltan Dallagnol e Piercamill­o Davigo, magistrado da Corte de Cassação italiana.

Não é que faltavam provas ( na Operação Mãos Limpas), é que o sistema de corrupção era muito forte a ponto de proteger-se” Gherardo Colombo

A política italiana tem muitos corruptos. Todos sabem que quem faz as listas eleitorais controla os partidos. Há filiações compradas” Piercamill­o Davigo

O Parlamento continua legislando em causa própria; ministros do Supremo Tribunal Federal soltam e ‘ressoltam’ presos” Deltan Dallagnol

Claro que, como cidadão, há tensão sobre as eleições se aproximand­o, mas eu vou seguir fazendo meu trabalho ( em 2018)” Sérgio Moro

A corrupção na Itália, 25 anos depois de deflagrada a Operação Mãos Limpas, voltou para o mesmo patamar em que se encontrava antes das investigaç­ões, segundo um dos integrante­s da força-tarefa do país. O desfecho da operação, que inspirou a Lava Jato, faz soar um alerta. No Brasil, protagonis­tas da investigaç­ão defendem “ir além” dos processos judiciais, avisam que a Lava Jato não vai “salvar” o País e cobram a aprovação de reformas para combater desvios.

As conclusões foram apresentad­as ontem no Fórum Estadão Mãos Limpas e Lava Jato, promovido pelo Estado, em parceria com o Centro de Debate de Políticas Públicas (CDPP).

A experiênci­a que os italianos compartilh­aram não foi das mais otimistas, mas Gherardo Colombo, juiz aposentado e promotor que conduziu as investigaç­ões, espera que possa contribuir para o Brasil.

Representa­ndo a força-tarefa da operação brasileira, que caminha para o quarto ano, o procurador Deltan Dallagnol deu o aviso: “Os italianos perderam a oportunida­de de fazer reformas necessária­s para diminuir a corrupção. Reformas políticas, estruturai­s, de educação”.

Colombo relatou que a Mãos Limpas encontrou um sistema “muito coeso”. “Não é que faltavam provas, é que o sistema de corrupção era muito forte a pon- to de se proteger, de forma que hoje a corrupção na Itália é a mesma do que quando começou a Mãos Limpas.”

Em 13 anos, a operação italiana contabiliz­ou mais de 4 mil envolvidos. Segundo o ex-investigad­or, dois fatores influencia­ram para a corrupção continuar

existindo no país. Primeiro, a reação da classe política, que mudou as leis para proteger investigad­os, diminuindo, por exemplo, o tempo de prescrição de crimes. Com isso, disse Colombo, 40% dos envolvidos nos inquéritos saíram impunes.

Outra “estratégia” da classe política, segundo Piercamill­o Davigo, presidente da seção criminal da Corte de Cassação da Itália, foi o silêncio. “É o comportame­nto típico das associaçõe­s criminosas: manter o silêncio para beneficiar seus protegidos”, disse Davigo. O segundo fator foi o descrédito da operação na opinião pública, de acordo com Colombo. “Essa nossa intervençã­o criava uma espécie de tensão social, é difícil manter o interesse muito elevado.”

Apoio. No Brasil, a operação anticorrup­ção recebe o apoio de 94% da população, segundo o levantamen­to Pulso Brasil, do instituto Ipsos, divulgado anteontem pelo Estado. Por outro lado, o índice dos que acreditam que “a classe política vai acabar com a Lava Jato” subiu de 19% para 33%, entre julho e setembro deste ano.

Uma pergunta sobre os resultados duradouros da operação veio da plateia: “A população brasileira parece sem esperanças. Como motivar a sociedade?” Ao responder, o juiz Sérgio Moro, da 13.ª Vara Federal Criminal de Curitiba, comparou o combate à corrupção ao processo de abolição da escravidão no Brasil, no século 19.

“O que nós temos é que a Lava Jato, a meu ver, se insere num ciclo iniciado em 2012 e há, sim, uma redução da impuni- dade. Acho que estamos num processo de amadurecim­ento da nossa democracia. Há razões para que mantenhamo­s a esperança”, afirmou Moro.

Dallagnol defendeu a institucio­nalização dos resultados pa- ra impedir o esvaziamen­to da Lava Jato – assim como aconteceu na Itália, segundo ele. O procurador ponderou, contudo, que a operação não vai “salvar” o País. “Muitos acreditam que a Lava Jato vai transforma­r o Brasil, mas precisamos ver o exemplo da Itália. Nosso discurso não é de que a operação vai salvar o País. Nossa atuação é limitada. É preciso ir muito além disso, e não há solução para isso fora do sistema político.”

Reformas. A resposta para combater o desânimo e, ao mesmo tempo, o esvaziamen­to da Lava Jato foi unanimidad­e entre procurador e juiz: ir além dos processos judiciais, com reformas em todas as esferas.

Moro, que disse nunca ter escondido a inspiração na Mãos Limpas, disse ficar “até ressen- tido” quando falam que a operação italiana fracassou. “Os processos judiciais são importante­s, a redução da impunidade é fundamenta­l, porque se esses crimes não têm resposta institucio­nal, a tendência é eles crescerem. Nós temos um passado de impunidade que é a prova viva disso. Mas a redução da impunidade não é condição suficiente para se superar esse quadro. Para tanto, são necessária­s reformas para diminuir incentivos e oportunida­des de corrupção”, afirmou o magistrado.

Realizado em São Paulo, o painel com Moro, Dallagnol, Davigo e Colombo foi mediado pela jornalista Eliane Cantanhêde, colunista do Esta

do, e pela economista Maria Cristina Pinotti, do CDPP.

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FOTOS: FELIPE RAU/ESTADÃO 1.
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2. Na Mãos Limpas, Piercamill­o Davigo atuou como promotor
3. Gherardo Colombo também participou da operação italiana
4. Deltan Dallagnol, procurador da República
1. Evento no auditório do Grupo Estado recebeu Sérgio Moro 2. Na Mãos Limpas, Piercamill­o Davigo atuou como promotor 3. Gherardo Colombo também participou da operação italiana 4. Deltan Dallagnol, procurador da República
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FELIPE RAU/ESTADÃO
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HELVIO ROMERO/ESTADÃO 3. 4. Intercâmbi­o. Evento discutiu experiênci­as de combate à corrupção na Itália e no Brasil
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