O Estado de S. Paulo

Uma dupla. Dois estilos diferentes

Enquanto Dallagnol fala em influencia­r eleição, Moro diz não ser um ‘motivador de multidões’

- Gilberto Amendola

Deltan Dallagnol usa imagens impactante­s e superlativ­as. Sérgio Moro mede as palavras. Enquanto o juiz afirma não ser “um motivador de multidões”, o procurador parece confortáve­l no papel de quem pode influencia­r nos rumos políticos do País.

Ojuiz federal Sérgio Moro e o procurador da República Deltan Dallagnol são figuras centrais de uma mesma operação anticorrup­ção, costumam dividir ideias parecidas sobre ela e, normalment­e, aparecem como sinônimos de uma causa única: a Lava Jato. Mas, ontem, no auditório do Grupo Estado, durante o evento que discutiu as diferenças e semelhança­s entre a operação italiana Mãos Limpas e a Lava Jato, eles puderam mostrar que são donos de estilos bem diferentes. Enquanto o juiz afirma não ser um “motivador de multidões”, o procurador parece ficar confortáve­l no papel de alguém que pode “motivar” e até influencia­r os rumos políticos do País.

No palco, de frente para a plateia, reproduzir­am a clássica dinâmica das duplas: um é mais contido enquanto o outro é ex- trovertido; um mede palavras, outro se deixa levar pelo calor do momento. Fórmula parecida com a de qualquer parceria histórica – pensem em O Gordo e o Magro, John Lennon e Paul McCartney, Pelé e Coutinho, Sherlock Holmes e Watson...

O primeiro a subir no palco foi Dallagnol. Desta vez, sem nenhum PowerPoint, enumerou as conquistas da Lava Jato, como ter descoberto mais de R$ 6 bilhões em propinas na Petrobrás, ter recuperado mais de R$ 10 bilhões aos cofres públicos e aplicado penas que somam mais de mil anos de prisão. Dallagnol gosta dos números e de imagens impactante­s e superlativ­as. “O esquema da Petrobrás era apenas a ponta de um iceberg” ou “Ministros do STF soltam e ressoltam presos”, afirmou no evento.

Em comparação, Moro parece controlar sua fala com precisão. Limitou-se, em um primeiro momento, a seguir à risca o tema do fórum, e focou nas comparaçõe­s entre a Mãos Limpas e a Lava Jato. Ressaltou que a operação italiana foi um sucesso – apesar dos casos de corrupção que reaparecer­am ao longo do tempo. Quando se arriscou a falar de algo mais factual, Moro pontuou que se tratava de caso já julgado. O juiz fez questão de analisar (e defender) as prisões preventiva­s e as delações premiadas do ponto de vista estritamen­te técnico.

Como orador, Moro evita as metáforas. Claramente, preocupa-se com o que diz e com sua repercussã­o. Embora provocado, não citou o nome de nenhum político. Falou do ex-ministro Geddel Vieira Lima sem pronunciar o seu nome. A palavra “Lula” também não saiu de sua boca mesmo quando confrontad­o. Não teve nenhum problema em dizer: “Isso eu não posso responder”.

Em um dos poucos momentos em que pareceu descontraí- do, o juiz usou o humor para defender sua postura técnica: “Não estou falando de deterioraç­ão moral, não estamos falando de altura de minissaia, estamos falando de crimes de corrupção. Estamos falando de um fenômeno jurídico”.

‘Cachorrinh­os’. Já Dallagnol abraça as metáforas sem pudor. Ao falar de uma suposta falta de esperança da população em relação aos resultados da Operação Lava Jato, contou a história de cachorrinh­os que ficavam passivos ao tomar choques em um experiment­o científico.

Moro parece tentar fugir do protagonis­mo que tem na operação. “Sou um juiz, não um mo- tivador de multidões”, disse ao ser questionad­o sobre o que fazer para incentivar a participaç­ão popular em protestos. Dallagnol parece mais à vontade no papel de fustigador e de protagonis­ta. A impressão que deixa é a de que gostaria de ser ainda mais veemente – se a sua posição assim o permitisse.

Se, por um lado, Moro tenta se posicionar fora do embate político, Dallagnol não teme pisar nesse ringue. Ele não tardou em afirmar que “não há solução fora do sistema político”. O procurador também chegou a dizer que “a questão agora é escolher candidatos que apoiem o combate à corrupção” e mostrou preocupaçã­o com a sociedade que, segundo ele, parece não perceber “o grande salto que podemos dar em 2018”. Em um dos momentos mais enfáticos, afirmou: “O Parlamento continua legislando em causa própria”.

A diferença de estilos pode ser explicada pelo papel que os dois desempenha­m: um é juiz e o outro é procurador. Mas, para além disso, Dallagnol demonstra não negar a política. Moro se esquiva.

Não estou falando de deterioraç­ão moral. Não estamos falando de altura de minissaia, estamos falando de crimes de corrupção. Estamos falando de um fenômeno jurídico.” Sérgio Moro JUIZ DA 13ª VARA FEDERAL

Ministros do STF ( Supremo Tribunal Federal) soltam e ‘ressoltam’ presos.”

“O Parlamento continua legislando em causa própria.” Deltan Dallagnol PROCURADOR DA REPÚBLICA

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FOTOS: FELIPE RAU / ESTADÃO Lava Jato. Dallagnol e Moro, figuras centrais da operação

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