O Estado de S. Paulo

Fogo consumiu 22% da Chapada dos Veadeiros

Ambiente. Propagação do fogo é considerad­a a pior da história da unidade, que protege o Cerrado e atrai cerca de 60 mil turistas por ano; área abriga ao menos 34 espécies de fauna e 17 de flora ameaçadas de extinção e a suspeita de diretor é de ataque cri

- / GIOVANA GIRARDI, ANDRÉ BORGES, JÚLIA MARQUES e MARILIA NOLETO, ESPECIAL PARA O ESTADO

Um incêndio já devastou 54 mil hectares do Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros, em Goiás. A suspeita é de que tenha sido intenciona­l, em retaliação à ampliação da área do parque pelo governo federal. Local abriga 51 espécies ameaçadas de extinção.

O Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros, em Goiás, uma das mais importante­s unidades de conservaçã­o do Cerrado, está sendo consumido pelas chamas, no que já é considerad­o o pior incêndio de sua história recente. Em uma semana, o fogo, classifica­do pela direção do parque como criminoso, já devastou mais de 54 mil hectares – ou 22% da área total. E, até a noite de ontem, não dava sinais de que estava controlado.

Com uma visitação de cerca de 60 mil pessoas por ano, o parque teve seus limites triplicado­s em junho pelo governo federal, passando de 65 mil hectares para 240 mil hectares. A comunidade do entorno e pesquisado­res que atuam na região suspeitam que o fogo possa ter sido uma forma de retaliação contra a ampliação do parque.

O cresciment­o atendia a uma demanda de ambientali­stas e cientistas de se criar uma proteção maior a uma área riquíssima do Cerrado – que abriga ao menos 34 espécies da fauna e 17 da flora ameaçadas de extinção. Ali têm abrigo os icônicos patomergul­hão e onça-pintada.

Além disso, o bioma, apesar de ser o segundo maior do País (perdendo em tamanho só para a Amazônia), tem apenas 8% de sua área protegida em unidades de conservaçã­o, ante 27% da floresta tropical. Por outro lado, tem taxa de desmatamen­to cinco vezes maior que a da Amazô- nia. Uma área protegida maior na chapada poderia conter, por exemplo, o avanço da soja.

A expansão, porém, levou vários anos para se concretiza­r por enfrentar resistênci­a do governo estadual e de algumas fa- mílias de produtores rurais que vivem em áreas para onde o parque cresceu. “Durante as consultas públicas, pessoas se manifestar­am dizendo que iam queimar se fosse ampliado. Teve uma declaração de guerra”, afirma o biólogo Reuber Brandão, da Universida­de de Brasília (UnB), que acompanhou o processo.

Perícias serão realizadas para identifica­r a origem e as causas do incêndio que teve início na terça-feira da semana passada, mas há indícios de premeditaç­ão. Um dos focos está nas áreas posteriore­s àquelas onde o aceiro (barreira para contenção do fogo) já havia sido feito, e teria começado entre as 10 horas e as 15 horas, facilitand­o a propagação.

“O fato de o incêndio ter surgido no interior do aceiro, me leva a crer que alguém adentrou no parque e botou fogo. Não te- mos elementos para dizer quem é o responsáve­l, mas podemos dizer, com certeza, que é criminoso”, disse ao Estado o diretor do parque, Fernando Tatagiba. Ele explica que botar fogo na mata, de modo acidental ou intenciona­l, é enquadrado na lei de crimes ambientais. A punição prevista é de dois a quatro anos de prisão.

Natural x crime. O Cerrado é um bioma que convive com o fogo. “Mas isso não tem nada a ver com o incêndio que estamos testemunha­ndo”, diz Ane Alencar, especialis­ta em Cerrado do Instituto de Pesquisas Ambientais da Amazônia (Ipam). “O fogo natural ocorre em períodos com raios, quando a chuva vai começar. Não é tão intenso, não se alastra muito nem é tão catastrófi­co. Não é o caso agora, gravíssimo.”

Para se ter uma noção da dimensão, um grande incêndio que atingiu o parque em novembro de 2015 destruiu cerca de 15 mil hectares, segundo os Bombeiros, o que correspond­ia à época a 25% da vegetação. A situação crítica levou as prefeitura­s de Alto Paraíso e Cavalcante, cidades da região, a decretarem emergência. Esta última chegou a ter 80% de seu território atingido pelo fogo.

Para Tatagiba, isso mostra que esse cenário só pode ter sido criado por humanos. E foi piorado pela intensa seca no Centro-Oeste, a mesma que levou à crise hídrica em Brasília. “Está mais seco que o normal este ano, as temperatur­as estão altas e os ventos, fortes. Isso favorece grandes incêndios.”

Tempo quente. A situação de calamidade vivida pela Chapada dos Veadeiros ajuda a puxar o número recorde de incêndios que estão derrubando as florestas nacionais neste ano.

O sistema de monitorame­nto do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) identifico­u 237 mil focos de incêndio no País entre 1.º de janeiro 23 de outubro. O total é 54% maior do que o identifica­do no mesmo período de 2016, que contabiliz­ou 154 mil focos de queimadas. É um recorde desde que o órgão passou a monitorar esse dado, em 1998.

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BRENO FORTES/CB/D.A PRESS Devastação. Fogo já destruiu 54 mil hectares do Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros e não há sinais de controle das chamas; região de Cerrado fica ao norte do Estado de Goiás
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INFOGRÁFIC­O/ESTADÃO

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