O Estado de S. Paulo

Habilidade anticrise até o fim do mandato

- Luiz Guilherme Arcaro Conci PROFESSOR DE DIREITO CONSTITUCI­ONAL NA PUC-SP E TEORIA DO ESTADO NA FACULDADE DE DIREITO DE SÃO BERNARDO DO CAMPO

Aanálise da segunda denúncia contra o presidente da República pelo plenário da Câmara dos Deputados, apesar de envolver uma novidade histórica, pois nunca se viu acusação de presidente em exercício, não gera comoção popular nem, muito menos, no sistema econômico. O que impera é algum incômodo e muita apatia. Caso os deputados rejeitem, mais uma vez, como se espera, a denúncia –e é difícil acreditar que o quórum necessário para a admitir, de 342 deputados, seja alcançado – isso pode causar algum desconfort­o político, mas fortalece o presidente na sua disputa contra a Procurador­ia-Geral da República.

Se isso ocorrer, tais temas só poderão ser analisados novamente pelo Poder Judiciário após o término do mandato, quando Michel Temer não mais terá foro privilegia­do e poderá ser processado, caso sejam recebidas as denúncias por juízes de primeiro grau. O mesmo ocorrerá com outros processos derivados de condutas praticadas antes do exercício do mandato, que voltam a tramitar, superando-se a imunidade prevista no artigo 85, § 4.º da Constituiç­ão. Ainda que tais imunidades criem uma percepção negativa por parte da opinião pública, elas são essenciais em sistemas políticos em que instabilid­ade é a marca, como o nosso. Servem para fazer crer que os processos contra o presidente dependem não somente do sistema de Justiça, mas de parlamenta­res, em reforço à soberania popular.

Nos sistemas presidenci­alistas, o meca- nismo da separação dos Poderes deve garantir razoável grau de estabilida­de à autoridade política mais poderosa, de forma a não se fazê-la refém dos demais Poderes em situação de crises políticas. Trata-se de diferença marcante com os chefes de governo (não de Estado, mormente) nos sistemas parlamenta­ristas e semipresid­encialista­s. Isso deve significar, obviamente, que a legitimaçã­o pela escolha popular confere tais proteções ao cargo de presidente da República e não à pessoa que o exerce, não devendo significar impunidade. Espera-se o seguimento de tais investigaç­ões e processos, como determina a Constituiç­ão.

A relação com a procurador­a-geral da República e a verificaçã­o de seu grau de independên­cia só vão ser conhecidas nos próximos meses. Vale lembrar que a Constituiç­ão inovou ao não mais permitir a exonera- ção da PGR pela mera vontade do presidente, como foi em todo o período republican­o, dependendo também do Senado, tal qual sua escolha. Caso a participaç­ão do presidente em condutas públicas apareça, como no escândalo JBS, espera-se a mesma independên­cia de seu antecessor e que analise fatos, fomente investigaç­ões e, eventualme­nte, faça denúncias novas.

Em que pese tudo isso, no plano político, apesar das diversas reformas contra a proteção de direitos, não há como negar que o atual presidente mostrou habilidade para conter crises e isso joga a seu favor até o fim do próximo ano.

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