O Estado de S. Paulo

Fôlego da operação brasileira está nas mãos do Supremo

Para Moro e Dallagnol, pelo menos quatro pontos discutidos na Corte podem mudar os rumos de investigaç­ões

- Beatriz Bulla

O futuro da Lava Jato passa pelas mãos dos onze ministros do Supremo Tribunal Federal de acordo com dois dos principais protagonis­tas da maior operação de combate à corrupção do País: o juiz Sérgio Moro e o procurador da República Deltan Dallagnol. Ao menos quatro pontos discutidos na Corte, segundo eles, são considerad­os essenciais: a restrição ao foro privilegia­do, o uso das prisões preventiva­s, a execução da pena após decisão de segundo grau de Justiça e as delações premiadas.

Dallagnol atacou: “O dinheiro continua circulando em malas anos depois do início da Lava Jato. Regras são gestadas no Congresso Nacional para beneficiar políticos. Ministros do Supremo soltam e ‘ressoltam’ corruptos poderosos. Regras estão sendo gestadas no STF que implicarão enormes retrocesso­s na luta contra a corrupção”.

O coordenado­r da força-tarefa em Curitiba disse ainda que o Supremo vinha sendo “muito firme” na manutenção de preventiva­s, mas que os “recentes sinais” preocupam a Lava Jato. “Um dos argumentos é o de que as prisões preventiva­s têm durado muito tempo. Até escutamos a expressão de que o Supremo tem um encontro marcado com as prisões cautelares, e realmente teve porque várias pessoas foram soltas a partir daí”, afirmou o Dallagnol.

Moro seguiu a mesma linha e defendeu as preventiva­s. Segundo ele, a legislação “prevê recursos mais drásticos para interrompe­r essas carreiras criminosas”. O juiz afirmou que não há excesso de prazos nas preventiva­s, consideran­do que as conde- nações ocorrem em “meses”.

A nova preocupaçã­o dos dois é a revisão do instrument­o da delação premiada. Dallagnol disse ter se assustado ao ouvir novamente a expressão que o “Supremo tem um encontro marcado com as delações”. “Isso ( a expressão) me traz calafrios”, afirmou o procurador.

Colaboraçõ­es. Desde setembro, um grupo de ministros da Corte dá sinais de que há ambiente para questionar delações. No dia 11, quando o Supre-

mo decidiu que os parlamenta­res podem rever medidas cautelares impostas a parlamenta­res, Gilmar Mendes afirmou que ele e seus colegas “certamente” terão um “encontro marcado com a validade das provas” – ao se referir ao aproveitam­ento do que foi produzido com base na delação premiada do Grupo J&F.

Sem citar a Corte, Moro defendeu o instrument­o de colaboraçã­o. Afirmou que a delação é ferramenta importante e, no caso de críticas, o caminho é “aprimorar o instituto e não propriamen­te, como muitos fazem, buscar sua eliminação”.

O juiz evitou se pronunciar sobre a delação da J&F, mas disse que há quem reclame de benefícios concedidos a um delator como forma de evitar a atenção para o conteúdo do que foi delatado. “Há muita gente que reclama da impunidade que eventualme­nte é concedida por esses acordos, mas o que afronta essa pessoa não é a impunidade decorrente do colaborado­r, mas o fato de que aquele está revelando provas contra sua má conduta”, disse o juiz.

Segunda instância. Um ponto crucial em discussão na Corte, na visão do procurador e do juiz, é a manutenção da possibilid­ade de prisão após a confirmaçã­o da sentença em corte colegiada. O Supremo, na avaliação de Moro, teve sensibilid­ade para perceber que “justiça sem fim é justiça nenhuma”. O juiz defendeu a manutenção do atual entendimen­to. “Alguns ministros dizem que podem mudar de opi- nião e eu acho que existe uma expectativ­a da sociedade, da imprensa, dos demais operadores que isso não mude.”

Dallagnol previu um cenário de “ampla impunidade” caso a Corte altere o entendimen­to. “Você vai ter processos em que as pessoas com ótimos e hábeis advogados vão explorar brechas da lei para que não acabem sendo punidas nunca”, disse.

Os dois concordara­m que é necessário alterar o sistema de foro privilegia­do. Dallagnol considerou que o STF pode “agili- zar muito” as investigaç­ões se restringir o foro a crimes cometidos pelo parlamenta­r no exercício do mandato vigente. Moro lembrou que a Corte é “constituci­onal” e não foi feita para acompanhar processos penais. “Imagino a frustração do ministro que quer discutir temas relevantes para a sociedade inteira e, em vez disso, fica preso para decidir busca e apreensão, quebra de sigilo, julgamento de provas. É um desvirtuam­ento”, afirmou o juiz.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil