O Estado de S. Paulo

Não há nada que faça a Lava Jato inspirar os políticos na Itália

- Marcelo Godoy

Piercamill­o Davigo é um homem sorridente e bem-humorado. Magistrado da Corte de Cassação italiana – a corte suprema de seu país –, tem na ponta da língua uma reposta para quem lhe pergunta se a Operação Lava Jato pode servir de exemplo aos legislador­es da Itália, a fim de que a colaboraçã­o premiada seja permitida também lá nos casos de corrupção. “Absolutame­nte não. A política italiana tem muitos corruptos. Vamos deixar de rodeios. Todos sabem que quem faz as listas eleitorais

( com os candidatos às eleições) controla os partidos. O problema é que há filiações compradas.” A lei na Itália só admite a delação premiada para casos de máfia e terrorismo.

Acostumado a falar sobre os anos em que ele e seus colegas da procurador­ia de Milão causaram um terremoto na política italiana com a Operação Mãos Limpas, Davigo lembra as dificuldad­es para que, mesmo no caso da máfia, a delação premiada fosse adota- da. Isso só aconteceu após centenas de assassinat­os, como o do general Carlos Alberto Dalla Chiesa (nomeado para combater a organizaçã­o na Sicília, ele foi metralhado em 1982, em Palermo). “Foi preciso um atentado como o de Capaci.” Capaci é uma cidade na província de Palermo que se tornou famosa porque foi ali que a máfia dina- mitou uma estrada para matar o juiz Giovanni Falcone, sua mulher e três seguranças, em 1992. Só depois a Itália aprovou a mudança. “Ninguém sabe na Itália o que se passa no Brasil com a Lava Jato. Mas todos conhecem o exemplo dos Estados Unidos no uso do colaborado­r de Justiça”, afirmou.

Davigo, ao contrário do colega de magis- tratura Gherardo Colombo, que o acompanhou no Fórum Estadão Mãos Limpas e Lava Jato, acredita que a Justiça ainda tem seu papel no combate à corrupção. E isso mesmo com o balanço de que foram poucos os acusados de corrupção na Mãos Limpas que, condenados, cumpriram suas penas na cadeia. “Nenhum país do mundo conseguiu acabar com o crime em nenhuma época.”

No Brasil, o caminho para que a delação premiada fosse admitida nos casos de corrupção foi lento e silencioso. A Lei de Crimes Hediondos, de 1990, foi a primeira a prever benefícios para quem delatava: redução de um a dois terços da pena. A corrupção não estava então entre os delitos, nem a formação de quadrilha – não existia ainda o crime de organizaçã­o criminosa. Só em 2013 os parlamenta­res aprovaram as alterações que abriram as portas para a Lava Jato. Por que isso não aconteceu na Itália? Há, talvez, uma razão: o mundo político italiano sabia dos efeitos da delação, pois vira como ela devastara até a lei do silêncio da máfia. “Não há nada que faça o parlamento italiano aprovála ( para os casos de corrupção)”, diz Davigo. Pouco provável, portanto, que Sérgio Moro ou Deltan Dallagnol sejam convidados a expor a experiênci­a da Lava Jato na Itália.

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FELIPE RAU / ESTADÃO Experiênci­a italiana. Gherardo Colombo (ao fundo) e Piercamill­o Davigo no fórum

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