O Estado de S. Paulo

‘PRETO X BRANCO’ TERMINA EM CHURRASCO E SAMBA

Periferia tem jogos entre times de brancos e de negros que transforma­m a rivalidade em integração

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Há 38 anos, um grupo de amigos que jogava no Flor de São João Clímaco, equipe da várzea da zona sul de São Paulo, mudou a pelada de confratern­ização entre casados e solteiros. A divisão dos times causou estranhame­nto a princípio. De um lado, negros. Do outro, brancos. Essa foi a maneira irônica que eles encontrara­m para protestar contra a discrimina­ção racial no País. Transforma­m a oposição em união, fazendo do limão, uma limonada. A experiênci­a, que até hoje acontece todos os anos em dezembro, virou até um documentár­io de Wagner Morales, em 2013.

A primeira partida começa às 8 horas da manhã. Os cabelos grisalhos começam a povoar os vestiários e movimentar os dois lados do campo. A partida com os fundadores e a velha-guarda é a que recebe o maior número de boleiros. Ao longo do dia, a faixa etária dos jogadores vai diminuindo com uma sucessão de equipes, sub-50, sub-40, sub-30.

Cada jogador se declara negro ou branco e escolhe o seu lado. Existe rivalidade? Claro! É futebol. Ninguém quer perder. Mas tudo na bola. Não são aceitas piadas racistas, óbvio. Os jogos finais são os mais quentes. Sai faísca.

Fora, o churrasco comunitári­o, feito com a “vaquinha” de todo mundo ao longo do ano, dura o dia inteiro. O samba se mistura aos berros por causa de um passe errado ou gol perdido. Agora, toca Sorriso Negro, de Ivone Lara. Antes, era Almir Guineto. “Aqui jogam pessoas que se conhecem há tempo. É uma família”, diz Anderson Silva de Medeiros, o Xuxu, um dos organizado­res. O goleiro Beto de Óculos, fundador, filosofa: “Não importa se é preto ou branco, a cor do sangue é a mesma”.

A prática se espalhou por outros cantos da cidade e hoje é quase impossível contabiliz­ar quantos “Preto x Branco” existem em São Paulo. Em Itaquera, por exemplo, na zona leste de São Paulo, Jordão Correa, pai do lateral-esquerdo Kleber, ex-Corinthian­s, organiza seu futebol há 28 anos. Na zona sul, o campo de terra recebeu grama sintética – tempos modernos. Por outro lado, estão lá a arquibanca­da no barranco e gente colada na grade. De um jeito particular e bem-humorado, o “Preto x Branco” dá um chapéu no preconceit­o e sai jogando de cabeça erguida.

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FELIPE RAU/ESTADÃO União. Antes das partidas, negros e brancos rezam de mãos dadas

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