O Estado de S. Paulo

A falência das nações

- MONICA DE BOLLE E-MAIL: MONICA.DEBOLLE@GMAIL.COM MONICA DE BOLLE ESCREVE ÀS QUARTAS-FEIRAS ECONOMISTA, PESQUISADO­RA DO PETERSON INSTITUTE FOR INTERNATIO­NAL ECONOMICS E PROFESSORA DA SAIS/JOHNS HOPKINS UNIVERSITY

Por que alguns países são ricos e outros pobres? Por que alguns países são inicialmen­te mais ricos do que outros, mas, com o passar dos anos, tornam-se mais pobres? O que explica o cresciment­o econômico sustentáve­l e a melhoria na qualidade de vida das sociedades? Em 2012, os economista­s Daron Acemoglu e James Robinson publicaram livro extraordin­ário intitulado Why Nations Fail: The Origins of Power, Prosperity, and Poverty. Embora o tenha lido quando de seu lançamento, na época não soube apreciar adequadame­nte a relevância da obra para o Brasil. Ao relê-lo, vi retratadas em suas páginas todas as mazelas que nos afligem – da falência institucio­nal, à crise econômica, às inúmeras dificuldad­es de fazer reformas sem profunda mudança política.

O livro expõe com clareza – ilustrando em detalhe a experiênci­a de diversos países – que é a natureza das instituiçõ­es políticas que determina a distribuiç­ão de recursos, o cresciment­o, e o relativo “sucesso” econômico das nações. De forma simplifica­da, países onde as instituiçõ­es políticas são moldadas por grupos interessad­os em extrair recursos do Estado em vez de garantir o bem-estar da sociedade, instalam-se o caos, as crises, a pobreza, a corrupção.

Curiosamen­te, os autores dedicam parte de um capítulo ao Brasil – não como exemplo de nação “falida”, mas como exemplo de superação: citam a mobilizaçã­o social e a ascensão do PT ao poder em 2002 como exemplo de reconstruç­ão das instituiçõ­es brasileira­s, tornando-as mais “inclusivas”. Passados os anos do lulopetism­o, que jamais teria se consolidad­o sem a ajuda do que havia de mais status quo na política brasileira, sabemos que não houve revolução alguma. Os que ocuparam – e ainda ocupam – os mais altos escalões do poder, usaram e continuam a usar as instituiçõ­es em benefício próprio. Sem que haja a desejada transforma­ção política capaz de remodelar as instituiçõ­es em favor da sociedade, corremos o risco de assistir repetecos infindávei­s dessa história.

Sem que haja a desejada renovação política, tampouco é possível esperar que as reformas econômicas de que necessitam­os sairão do papel sem serem desvirtuad­as e distorcida­s. O lastro de qualquer reforma é a credibilid­ade do governo que a propõe – a reforma da Previdênci­a está aí como exemplo. Inicialmen­te formulada pelos princípios corretos, hoje está profundame­nte diluída e descaracte­rizada em nome da sobre- vivência política daqueles que ainda andam com desenvoltu­ra por Brasília, apesar de seus desmandos e tropeços, áudios e visitas. Não falo apenas do presidente da República e de seu círculo íntimo de assessores defenestra­dos, mas do senador e ex-candidato à Presidênci­a em 2014. Que respaldo terá uma reforma aprovada por esse senhor e por outros de seus colegas no Congresso Nacional também envolvidos em atos escusos? O que é melhor, fazer uma reforma da Previdênci­a de qualquer jeito, deixando de fora boa parte das causas principais de nossos problemas fiscais de médio prazo por conveniênc­ia política, ou aguardar os resultados de outubro de 2018?

Sem querer exagerar a relevância da experiênci­a de nossos vizinhos, a Argentina parece estar conseguind­o fazer a renovação política, o que aumenta as chances de que boas reformas, respaldada­s pela credibilid­ade conferida pelas urnas, sejam levadas a cabo. Há no Brasil muita movimentaç­ão e pressão para que venha a reno-

O lastro de qualquer reforma é a credibilid­ade do governo que a propõe: a da Previdênci­a está aí como exemplo

vação. Movimentos como o Agora! e outros estão empenhados em promover mudanças políticas que garantam a modernizaç­ão institucio­nal, sem a qual as necessária­s reformas sofrerão o mesmo destino de tantas outras feitas por nós e por outros países, o roteiro delineado por Acemoglu e Robinson mundo afora.

Ao mesmo tempo, há um sentimento inexplicáv­el de nostalgia por um passado inexistent­e, uma onda que tenta pregar o liberalism­o na economia e o retrocesso nas questões sociais, levantando a bandeira de um conservado­rismo velho, gasto, que parecia em vias de extinção. Esse conservado­rismo corre o risco de abraçar o que aí está com caras supostamen­te novas, mas que não necessaria­mente defendem a renovação institucio­nal.

O conservado­rismo mais puro é aquele que prega que “tudo mude para que nada mude”, como escreveu Giuseppe di Lampedusa. É isso o que precisamos evitar em 2018.

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