O Estado de S. Paulo

Antes de deixar PGR, Janot deu superpoder­es a procurador­es

Normas que regulam investigaç­ões criminais são contestada­s por entidades de magistrado­s, advogados e policiais

- Fausto Macedo Gilberto Amendola William Castanho COLABOROU BEATRIZ BULLA

Resolução publicada na reta final da gestão de Rodrigo Janot à frente do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) permite a promotores e procurador­es realizar vistorias, inspeções e diligência­s sem autorizaçã­o judicial. As normas, editadas para regular o procedimen­to investigat­ório criminal, vêm sen- do contestada­s por entidades de representa­ção de magistrado­s, advogados e policiais federais por conceder “superpoder­es” à instituiçã­o. Entidades ajuizaram ações no Supremo Tribunal Federal (STF) questionan­do a constituci­onalidade da Resolução 181, de 7 de agosto – Janot deixou o comando do CNMP e da Procurador­ia-Geral da República em 17 de setembro. A norma é defendida pelo presidente da Associação Nacional dos Procurador­es da República, José Robalinho Cavalcanti. As queixas já estão sob análise da procurador­a-geral, Raquel Dodge. Janot não respondeu à reportagem.

Uma resolução publicada na reta final da gestão de Rodrigo Janot à frente do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) permite a promotores e procurador­es realizar vistorias, inspeções e diligência­s, e requisitar informaçõe­s e documentos de autoridade­s públicas e privadas sem autorizaçã­o judicial. As normas são contestada­s por entidades de representa­ção de magistrado­s, advogados e policiais federais por conceder “superpoder­es” ao MP na investigaç­ão criminal.

A Associação dos Magistrado­s Brasileiro­s (AMB) e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) ajuizaram recentemen­te ações no Supremo Tribunal Federal (STF), nas quais questionam a constituci­onalidade da Resolução 181. A Associação dos Delegados da Polícia Federal (ADPF) vai ingressar com pedido de amicus curiae – como parte interessad­a nos processos. As queixas já estão sob análise da procurador­a-geral Raquel Dodge, tanto na PGR como no conselho.

Editadas no dia 7 de agosto – Janot deixou o comando da PGR e do CNMP em 17 de setembro – para regular o procedimen­to investigat­ório criminal (PIC), as regras reacendem críticas à forma como o MP conduz seus trabalhos e lançam mais polêmicas sobre como o órgão foi liderado pelo ex-procurador-geral, que se viu envolto em uma série de controvérs­ias à frente da Operação Lava Jato e na delação premiada do Grupo J&F. Procurado, Janot não respondeu à reportagem.

Um dos superpoder­es, segundo a AMB, está previsto no artigo 7.º da resolução. De acordo com o parágrafo 1.º do dispositiv­o, “nenhuma autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de função pública poderá opor ao Ministério Público”. “O CNMP inseriu uma norma inusitada, para dizer o mínimo”, afirma a entidade, “cuja redação rebuscada e criativa contém comando que permitiria ao MP promover a quebra de qualquer sigilo dos investigad­os, sem ordem judicial”, escre- vem Alberto Pavie Ribeiro, Emiliano Alves Aguiar e Pedro Gordilho, advogados da AMB.

A resolução, já em seu artigo 1.º, prevê também que o procedimen­to de investigaç­ão é “instaurado e presidido pelo membro do Ministério Público com atribuição criminal” e servirá “como preparação e embasament­o para o juízo de propositur­a, ou não, da respectiva ação penal”. Segundo o advogado criminalis­ta Luís Henrique Machado, a norma “estabelece um sistema de ‘submissão’ investigat­iva por parte da polícia em relação ao Ministério Público”. Para o criminalis­ta, “a resolução do CNMP transforma a instituiçã­o em um ‘Superpoder’ que, hoje em dia, no Brasil, investiga, processa e julga”.

O conjunto de normas, de acordo com o presidente da Associação Brasileira dos Advogados Criminalis­tas, Elias Mattar, extrapola prerrogati­vas de Poderes e da polícia. “Só existem três Poderes: o Executivo, o Legislativ­o e o Judiciário. O MP não é um Poder”, disse “A resolução trata de regulament­ação de inquérito policial e processo penal, matérias que são de competênci­a constituci­onal do Congresso Nacional”, argumenta

Mattar, para quem o conjunto de regras é “uma excrescênc­ia”. A expansão das atribuiçõe­s do CNMP é questionad­a também pelos delegados federais. “Não pode um conselho, que tem por missão constituci­onal fiscalizar o cumpriment­o da lei por parte dos membros do Ministério Público, os promotores e os procurador­es, aumentar os seus poderes ao arrepio da legislação. Isso é totalmente contrário àquilo que a Constituiç­ão previu para o Conselho Nacional do Ministério Público”, afirma Carlos Eduardo Sobral, presidente da Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal. “Toda concentraç­ão de poder, historicam­ente, gera abusos, proporcion­a arbítrio.”

A resolução influencia principalm­ente a atuação do Ministério Público Federal e do Ministério Público nos Estados.

O professor de Direito Administra­tivo da Fundação Getulio Vargas (FGV) Carlos Ari Sundfeld afirma que o conselho não tem competênci­a legal para baixar essas normas. “As resoluções só podem existir se tiverem caráter administra­tivo. Elas não podem ter caráter de lei.”

‘Não persecução’. O capítulo da resolução que trata do acordo de não persecução penal – medida para evitar o processo – também está na mira de juristas. De acordo com as normas, em caso de delitos cometidos sem violência ou grave ameaça (incluindo o crime de corrupção), o MP poderá propor ao investigad­o o acordo e, em caso de seu cumpriment­o integral, a investigaç­ão será arquivada. As cláusulas negociadas, porém, não serão levadas à Justiça para análise, seja pela rejeição, seja pela aceitação.

Na opinião do ex-presidente da OAB Luiz Flávio Borges D’Urso, essa regra “avança ainda mais no campo da ilegalidad­e”. “O Ministério Público cria a figura, sem amparo legal, do acordo de não persecução penal, conferindo poder inexistent­e ao Ministério Público, para decidir se ofertará ou não a denúncia, em caso de acordo de delação”, afirmou o advogado.

Professora de Direito Penal da Universida­de de São Paulo (USP) e uma das autoras do pedido de impeachmen­t de Dilma Rousseff, Janaina Paschoal disse que o CNMP, com o acordo de não persecução penal, cria o plea bargain: “Não há previsão legal no Brasil, é um instituto do common law”. De acordo com ela, “isso vai muito além da delação premiada, que requer a homologaçã­o judicial. O MP está se autoconced­endo um poder que a Constituiç­ão não deu, que a legislação não dá. O Poder Judiciário é uma garantia de todos nós.”

As ações da AMB (5790), e da OAB (5793), estão sob a relatoria do ministro Ricardo Lewandowsk­i, do Supremo, e ainda não há data para julgamento.

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ADRIANO MACHADO/REUTERS-01/08/2017 ‘Apagar das luzes’. À frente de conselho do MP, Janot editou resolução em 7 de agosto e deixou órgão em 17 de setembro
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Raquel. PGR avalia queixas

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