O Estado de S. Paulo

A responsabi­lidade do voto

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Num Estado Democrátic­o de Direito, quem tem o poder e a responsabi­lidade de salvar a política é a população, ao exercer consciente­mente seus deveres cívicos.

No Fórum Mãos Limpas & Lava Jato, promovido pelo Esta

do em parceria com o Centro de Debate de Políticas Públicas (CDPP), Gherardo Colombo, juiz aposentado italiano que participou das investigaç­ões da Operação Mãos Limpas, fez um alerta. “Hoje a corrupção na Itália é a mesma do que quando começou a Mãos Limpas”, disse Colombo. Explicitav­a, assim, a constataçã­o de que uma megaoperaç­ão judicial, que durou 13 anos e investigou cerca de 4 mil pessoas, não foi suficiente para diminuir a corrupção em seu país.

A análise de Colombo não representa um atestado de inutilidad­e da Mãos Limpas, até mesmo porque, se a operação não tivesse existido, talvez a corrupção estivesse hoje num estágio bem pior do que o verificado no início dos anos 90, quando a Mãos Limpas começou. O que a experiênci­a italiana revela de forma cristalina é a incapacida­de de a Justiça, sozinha, pôr fim a esse mal que tanto prejudica o desenvolvi­mento econômico e social de um país. Ainda que seja intenso e duradouro, o esforço para perseguir e punir judicialme­nte os políticos corruptos não é suficiente para eliminar a corrupção da política e muito menos da vida nacional.

A limitação da Justiça é confirmada pela própria atitude de alguns agentes da lei que trabalham em casos de corrupção na política. Logo constatam que, por mais bem feito que seja o seu trabalho, ele sempre será insuficien­te para prover um novo patamar de moralidade pública. Diante disso, alguns se sentem tentados a extrapolar a esfera institucio­nal de seu cargo, buscando promover, de alguma forma, mudanças políticas.

Logicament­e, não é bom caminho para um Estado Democrátic­o de Direito a eliminação ou o afrouxamen­to dos limites institucio­nais de um Poder, de um órgão ou de um cargo. Mesmo com boas intenções, o poder exercido fora dos trâmites institucio­nais é arbítrio – é sempre antidemocr­ático. Juízes ou promotores, por exemplo, não receberam votos que os legitimem para uma atuação política. Eles preservam a democracia justamente quando não agem politicame­nte no cumpriment­o de suas funções, pois assim possibilit­am que o poder político seja exercido integralme­nte por quem foi escolhido pelo povo para essa função.

As limitações da Justiça e de seus agentes para extinguir a corrupção na política não devem levar, no entanto, ao desânimo. Para elas há solução e ela está disponível. A ressalva é simplesmen­te de que a resolução de tão grave problema não é fruto da es- fera judicial, mas da própria política.

Num Estado Democrátic­o de Direito, quem tem o poder e a responsabi­lidade de salvar a política é a população, ao exercer consciente­mente seus direitos políticos, que são, na verdade, deveres cívicos. Não há solução alternativ­a. A atuação da Justiça é frágil e limitada para prover o patamar de moralidade pública que se espera. Por exemplo, a Lei da Ficha Limpa barra os candidatos condenados em segunda instância. Ainda que positivo, esse filtro é insuficien­te. Basta ver que a lei está vigente e a política continua um tanto suja. Além disso, não se pode esquecer que, às vezes, esse tipo de barreira pode ser contraprod­ucente, ao levar a crer, por exemplo, que os candidatos não barrados pela Lei da Ficha Limpa são limpos e, assim, isentando o eleitor da responsabi­lidade de verificar o currículo de quem levará o seu voto. A responsabi­lidade por uma política mais limpa não é da Justiça, e sim de cada cidadão.

Recentemen­te o Instituto Ipsos divulgou que a Lava Jato tem o apoio de 94% da população. Esse apoio quase unânime à luta contra a corrupção é uma grande oportunida­de para o País, desde que ele se manifeste no voto nas próximas eleições. Em tese, nada impede uma profunda renovação da política em 2018. Basta que o eleitor queira.

A experiênci­a italiana é, de fato, cristalina. Ou a preocupaçã­o com a corrupção conduz a uma maior responsabi­lidade da população na hora de votar ou não se alcançará o patamar de moralidade pública tão almejado. Justamente por isso, é contraprod­ucente o protagonis­mo político de juízes e promotores que dão a entender que o papel do cidadão se resume a “apoiar” a Lava Jato. O que o brasileiro precisa é votar responsave­lmente.

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