O Estado de S. Paulo

‘O Congresso não pode esvaziar a Lava Jato’

Alexandre de Moraes MINISTRO DO STF

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Para Alexandre de Moraes, parlamenta­res não podem interferir na operação, que deve ir até o fim, com a condenação rápida dos culpados. Há seis meses na vaga de Teori Zavascki, o ministro defende o uso da delação para “pegar do bagrinho ao tubarão”.

Alexandre de Moraes, ministro do STF, saiu cinco minutos antes da briga em plenário entre os colegas Gilmar Mendes e Luís Roberto Barroso, semana passada. Tinha marcado, em São Paulo, jantar de aniversári­o de sua filha de 15 anos. E, mesmo tendo visto depois os vídeos na internet, não quis comentar o episódio com a coluna. “Não vou emitir opinião nenhuma”. Em sua primeira manifestaç­ão pública desde que assumiu no Supremo, Moraes garante que sentou na cadeira para ficar. Que não ambiciona mais participar do disputas eleitorais. Não liga para críticas, é a favor de cargos vitalícios em cortes jurisdicio­nais, como o STF – e seu compromiss­o, afirma, é com essa corte.

O ministro diz não ver “nem lógica jurídica nem lógica política” na ideia de os políticos tentarem esvaziar a Lava Jato. E não confirmou à coluna seu apoio à prisão em segunda instância, nos termos em que o fizera na sabatina no Senado, seis meses atrás. “O que eu disse na sabatina foi que isso não é inconstitu­cional”. A seguir, os principais trechos da conversa. Qual o seu balanço de seis meses como ministro? Foi ótimo. Assumi em março, em momento de crise no País, com julgamento­s importantí­ssimos – as questões do Funrural, das delações, agora da imunidade parlamenta­r. Em vários acabei sendo o voto condutor.

Imaginava, antes, um Supremo muito diferente?

Desde promotor eu convivo bem com a Corte, sou professor de direito constituci­onal e vinha constantem­ente aqui. Fui do CNJ e já conhecia a maioria dos ministros.

Mas esperou seis meses para dar as primeiras entrevista­s. Por quê?

Acho que a obrigação de quem exerce cargo público é se comunicar, mostrar o que está fazendo. Eu já fazia isso como promotor. Tem que se colocar para receber e rebater criticas. Mas, se eu desse entrevista­s antes ia só falar do passado, não?

O sr. foi criticado por dialogar com internauta­s depois de criticar a Globo por glamouriza­r o crime organizado das favelas. Como recebe essas cobranças? O assunto começou todo deturpado. Eu fui convidado pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia, para presidir uma comissão de juristas que deve apresentar, em 120 dias, um anteprojet­o com medidas importante­s sobre o crime organizado violento – tráfico de drogas, tráfico de armas. Para isso, já estou marcando reuniões. Nesse contexto, eu disse que é importante não glamouriza­r uma coisa que tornou o crime mais violento no Brasil, que foi a junção dos traficante­s de drogas com os de armas. Hoje eles estão unidos e muito mais perigosos. É difícil para uma mãe, na favela, insistir para o filho estudar e trabalhar, se ficarem glamouriza­ndo o baile funk. Mas acha que é bom bater boca nas redes sociais?

Comentei o comentário de um jornalista. Uma coisa da qual eu discordo é que ministro do Supremo, ou político com cargo, não tem de participar das redes. Tem que participar!

O sr. tem Facebook? Usa?

Tenho sim, e tenho o Twitter. Se todo mundo reclama, principalm­ente no Brasil, da separação muito grande entre o povoe seus representa­ntes, então querem que fique ainda mais distante? Não! Tem que dialogar.

Por trás desse episódio há o tema crucial da segurança do Rio. O que vai fazer essa comissão que o sr. está presidindo? Sempre achei que o Judiciário e o MP tiveram um déficit de aproximaçã­o na questão da segurança. Porque segurança pública primária não é só polícia. É polícia, MP e justiça criminal. Então, a ideia de montagem dessa comissão é trazer novos mecanismos que na Europa estão utilizando muito, não só contra crime organizado, mas contra o crime organizado que financia o terrorismo.

De que modo enfrentar isso?

O que temos é uma criminalid­ade organizada violentíss­ima juntando o tráfico de drogas e o tráfico de armas. Você tem de ter medidas proporcion­ais. Não pode dar o mesmo ritmo de investigaç­ão, o mesmo ritmo processual, garantindo o devido processo legal, a ampla defesa e o contraditó­rio. E as medidas têm que ser rápidas, desde seu início até o cumpriment­o da pena – e esta deve ser em regime diferencia­do e presídio de segurança máxima. É assim em qualquer democracia do mundo. Por que, nesse tipo de crime, não aparece ninguém importante para delatar?

A corrupção na política é um crime organizado, mas não é violento. É mais fácil delatar alguém que não é violento. Tente verificar quantas vezes o MPF e a PF conseguira­m pegar um chefe do tráfico ou traficante de armas com delação. Nenhuma. Por isso é que estamos precisando de outras medidas para a criminalid­ade violenta.

O Supremo convive hoje com certa judicializ­ação da política. Isso é um expansioni­smo indevido da corte ou uma ajuda momentânea a uma política em crise? É uma ajuda momentânea a uma política em crise. Tem de ter um equilíbrio entre os poderes. E a judicializ­ação da política não é culpa do tribunal. Para tudo o que ocorre no Congresso, algum deputado entra no Supremo... Provocado, ele tem que se manifestar. Veja só, dias atrás caiu aqui um mandado de segurança para decidir se se deveria fatiar ou não a denúncia contra o presidente. Em qualquer outro país, nunca levariam isso ao Judiciário.

As denúncias da Lava Jato enfraquece­ram o Congresso? Aliás,

o que o sr. acha da operação? Acho boa. Fui o único ministro da Justiça a ir até Curitiba, visitei o (Sergio) Moro e a equipe do Ministério Público. Eles estão fazendo um belíssimo trabalho. Também não concordo quando dizem que o combate à corrupção é uma criminaliz­ação da política. São coisas diferentes. Quem pratica um crime, seja parlamenta­r ou alguém do Executivo, Judiciário ou MP, tem de responder por ele. O que não pode é apressar um processo retirando as garantias constituci­onais das pessoas.

Isso aconteceu?

Não na Lava Jato. Mas recentemen­te julgamos a questão de se poder ou não afastar um parlamenta­r. Eram duas questões: se caberia decretar prisão preventiva de deputado ou senador e se poderíamos afastá-lo da função. O fato é que a Constituiç­ão lhes dá garantias. É a mesma coisa se você amanhã pegar um juiz corrupto. Vai acabar com a vitalicied­ade da magistratu­ra por causa disso? Estamos aqui com dois casos de procurador­es envolvidos em crimes. Vai acabar a vitalicied­ade do Ministério Público?

Como encara as notícias de que o Congresso quer esvaziar a Lava Jato? Não vejo a mínima possibilid­ade. Porque o Congresso não pode, constituci­onalmente, afetar nenhuma das garantias da magistratu­ra e do MP. O recurso possível, já foi comentado, seria votar uma grande anistia. Mas não acredito que o Congresso, às vésperas de uma eleição presidenci­al, vote uma anistia contra a vontade popular. Não tem lógica jurídica nem lógica política.

Então a operação vai até o fim?

Acredito que vai. Temos de separar sempre o joio do trigo, condenar rapidament­e os culpados e absolver os inocentes. Essa é a grande preocupaçã­o que a Justiça deve ter como um todo.

Em um encontro no Estadão, Sergio Moro e Deltan Dallagnol sustentara­m que a Lava Jato estava "nas mãos do Supremo" porque a este cabe manter a prisão preventiva, a prisão em segunda instância, a delação premiada e dar fim ao foro privilegia­do. Faz sentido? Falo como alguém que já atuou como promotor em primeira instância. Acho que procurador­es e juízes têm total independên­cia de atuação no âm- bito de suas jurisdiçõe­s. E o mesmo se dá com os tribunais e o STF. Quanto àqueles quatro pontos, nem na magistratu­ra nem no MP há vinculação de opiniões. Cada um é independen­te.

A primeira instância já condenou dezenas de réus na Lava Jato e o STF não definiu ainda a pena de um único político. Por quê? É uma comparação injusta. A Lava Jato começou dois anos antes na primeira instância. E enquanto o procurador-geral não oferecer a denúncia não tem como haver processo. Veja, de todas essas grandes delações que o ex-procurador-geral ( Rodrigo Janot) fez, até agora, não foi oferecida nenhuma denúncia. Não estou aqui criticando PF ou MPF, o volume de foro privilegia­do foi tão grande que eles até precisaram aumentar a equipe. Acredito que a partir de agora começam as denúncias, Aí sim, o Supremo tem de mostrar rapidez.

Na sua sabatina no Senado, de 12 horas, o sr. se mostrou a favor da prisão na segunda instância. Mantém a opinião? Isso vai chegar ao Supremo. Aí, nos autos, vou me manifestar. Não antecipo porque é proibido pela Lei Orgânica da Magistratu­ra. O que eu disse na sabatina foi que isso não é inconstitu­cional. Adotar um ponto ou o outro não é inconstitu­cional. O que venho reiterando é que o Supremo precisa resolver logo. Não é justo que um ministro dê a liminar e alguém responda em liberdade e outro a rejeite e a pessoa responda presa. Isso não é justiça, é loteria.

O que pensa da delação premiada, como princípio e quanto ao modo como ela vem sendo utilizada? Sempre fui defensor da delação. Por meio dela você consegue pegar o bagrinho e o tubarão. Mas delação premiada não é prova, ela é meio de prova – o delator tem de dizer como provar o que falou. Pois às vezes a pessoa delata, depois não tem nenhuma prova e fica parecendo que o tribunal não quis punir.

Como fazer para o STF parar de julgar 60 ou 70 mil casos por ano?

Veja, a Suprema Corte americana julga entre 70 e 110 casos por ano. Simplesmen­te porque podem escolher o que julgar. O tribunal alemão também faz uma escolha. Mas o STF não tem como escolher o que julgar....

‘PGR NÃO MANDOU UMA SÓ DENÚNCIA DE POLÍTICOS AO STF ATÉ AGORA’

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DIDA SAMPAIO/ESTADÃO

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