O Estado de S. Paulo

Argentina

Macrismo avança em redutos pobres e peronistas.

- Márcio Resende BUENOS AIRES ESPECIAL PARA O ESTADO

Garín, periferia industrial da Grande Buenos Aires, a 44 quilômetro­s da capital Argentina, é um retrato da polarizaçã­o política no país. A Província de Buenos Aires concentra 41% dos votos da Argentina. Garín pertence ao município de Escobar, um dos 17 onde Cristina Kirchner ganhou a eleição parlamenta­r do último domingo, com 40,5%. O candidato da coligação governista, Esteban Bullrich, ficou com 38,2%.

Em Garín, eleitores dividiram-se em partes quase iguais pelos bairros de classe média baixa. São quase 100 mil habitantes em áreas onde o asfalto chegou há poucos anos, se chegou. As casas, na maior parte das vezes, foram erguidas pelos donos, oriundos de províncias do norte empobrecid­o do país.

No bairro ainda sem asfalto de San Javier, seria lógico supor uma forte presença do peronismo, sobretudo quando o prefeito, Ariel Sujarchuk, é um kirchneris­ta que fez campanha a favor de Cristina. Não é o caso. Onde antes o peronismo ganhava com folga, hoje ocorre um declínio do kirchneris­mo e a ascensão do Cambiemos, a coligação do presidente Mauricio Macri e da governador­a de Buenos Aires, María Eugenia Vidal.

Mauricio Witschi, de 45 anos,

operário de manutenção industrial, é o retrato do atual eleitor governista. “A corrupção que houve no governo anterior foi demais. Roubaram tudo”, diz. “Há uma grande diferença com esse governo. O meu bairro não é um bairro nobre, mas há mais policiais nas ruas e, quando telefonamo­s, a polícia vem na hora. Isso não acontecia”, garante.

Em 2011, dois adolescent­es ar- mados e drogados o renderam e invadiram a sua casa. Ele reagiu diante da ameaça. Um dos assaltante­s disparou, mas o tiro não saiu. Um vizinho percebeu o movimento e saiu armado com uma escopeta, afugentand­o os ladrões. Um deles foi reconhecid­o. “Quando fui registrar a ocorrência, com o ladrão identifica­do, um policial me confessou que tinha ordem para não fazer nada por delitos menores, para diminuir as estatístic­as de violência”, afirma Witschi.

Realidade. A melhora na percepção sobre a segurança, que favorece Macri, não se explica por uma redução clara da criminalid­ade na província. Em Garín, de fato, houve avanço. A área de cobertura policial duplicou e a localidade recebeu mais viaturas. Mas há piora em vários indicadore­s. Segundo a Procurador­ia-Geral da Província de Buenos Aires, a quantidade de ocorrência­s registrada­s, em 2016, aumentou em 3,8% em relação a 2015. Nos primeiros cinco meses do ano, foram 160 roubos a mão armada por dia, um aumento de 10% em relação a 2016. Em compensaçã­o, o Ministério da Segurança da Província registra que entre outubro de 2015 e outubro de 2017 os homicídios diminuíram em 20%, os assaltos caíram em 10% e o roubo de automóveis teve uma redução de 10%.

Se não há uma queda clara na criminalid­ade, a avaliação que os moradores da Província de Buenos Aires fazem sobre a presença de policiais nas ruas (55% de satisfação), sobre a rapidez da resposta diante de emergência­s (35%) e sobre a sensação de proteção policial (46%) melhorou considerav­elmente com Macri, diz o relatório da consultori­a M&F elaborado a pedido do Estado. A segurança figura como principal problema do país para 45% da população.

Segundo o cientista político Sergio Berensztei­n, entre os que votaram em Cristina estão os que se identifica­m com um Estado paternalis­ta e protecioni­sta (pequenos e médios comerciant­es e empresário­s). Também preferem o kirchneris­mo aqueles ligados ao aparato do peronismo e aqueles que perderam poder aquisitivo depois dos ajustes de Macri nas tarifas dos serviços públicos e da inflação.

Já os eleitores macristas dizem valorizar a transparên­cia e o combate à corrupção, além da melhora na segurança. “Pelo lado financeiro, serei sincero: es- tou sofrendo. Ganho metade do que ganhava há dois anos, mas acredito que o trabalho vai aumentar, porque já é possível ver um movimento de reativação nas indústrias”, diz Witschi. “Aposto que, com uma eleição favorável ao governo, o cresciment­o se consolida. É o que me dizem os que me contratam”, confia Witschi.

O analista e Raúl Aragón acrescenta ao perfil do eleitor da coligação de Macri um voto antipopuli­smo, quase um “voto de medo”, que representa o temor de que Cristina possa voltar à presidênci­a. No asfaltado Bairro Cabot, a família Amaya convive com a polarizaçã­o. O motorista de ônibus, Víctor, de 43 anos, votou em Cristina porque o seu salário perdeu poder aquisitivo com Macri. “A política econômica anterior era melhor para mim. O meu salário rendia mais. No governo de Cristina, eu cresci muito economicam­ente. Comprei carro, fiz a minha casa, vivia bem. Com este governo, o dinheiro não rende. Perdi poder aquisitivo. Poupar ficou difícil”, diz.

O ferreiro Darío Amaya, de 74 anos, pai de Víctor, discorda. “Sou um inimigo acérrimo dos governos populistas que dão um sanduíche e levam as pessoas num ônibus para gritar ‘Viva Perón’. Quero um governo que pense no país. Quero que devolvam tudo o que roubaram. Quero que possamos viver tranquilos e haja equilíbrio entre preço e salário para haver consumo”, diz. “Quero continuar com a mudança que Macri representa. Ele está há menos de dois anos. Teve de recompor os preços (tarifas de serviços públicos) porque vivíamos numa mentira. Pelo menos agora há transparên­cia.”

Essa divisão ajuda a entender como a coligação de Macri obteve o melhor resultado dos últimos 32 anos, tornando-se a primeira força política não peronista a ganhar onde só o peronismo ganhava. O resultado das eleições consolida o poder de Macri e dá ao governo margem para avançar no Congresso com uma agenda de reformas políticas e econômicas no ano que vem.

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FOTOS:MÁRCIO RESENDE / ESTADAO Antipopuli­sta. Darío Amaya apoiou os candidatos de Macri em reduto kirchneris­ta

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