O Estado de S. Paulo

Xi recebe Trump e tenta ocupar vácuo deixado por novo governo dos EUA

Estratégia. Presidente americano prepara tour pela Ásia, no qual a ameaça norte-coreana será tema central; titular da Casa Branca pedirá acesso mais fácil ao mercado chinês ao encontrar líder comunista, que se apresenta como defensor da globalizaç­ão

- Cláudia Trevisan

Com a intenção declarada de transforma­r seu país na maior potência global até a metade do século, Xi Jinping receberá Donald Trump em Pequim na próxima semana em uma posição de força sem paralelo nos últimos 40 anos. Diante dele, estará um líder que é questionad­o por integrante­s de seu próprio partido e visto como um defensor imperfeito dos valores democrátic­os ocidentais aos quais Pequim se opõe.

A concentraç­ão de poder nas mãos de Xi é acompanhad­a do aumento da repressão e da dramática redução do espaço para dissidênci­a na China, tendência que deve se acentuar nos seus próximos cinco anos de governo. Em seu discurso no congresso do Partido Comunista, na semana passada, Xi disse que a organizaçã­o deverá moldar todos os aspectos da sociedade chinesa. “Governo, Exército, sociedade, escolas, norte, sul, leste e oeste – o Partido lidera todos.”

Trump chegará à China no dia 8 com duas demandas: aumento da pressão de Pequim pa- raque a Corei ado Norte abando neseu programa nuclear e eliminação deres triçõesà atuação de empresas americanas no país. O republican­o acredita que o principal aliado de Pyongyang tema chavep aramuda ro comportame­nto de Kim Jong-un.

David Shambaugh, professor da Universida­de George Washington e um dos principais especialis­tas em China dos EUA, diz que Pequim pode fazer mais para influencia­r o país vizinho, mas dentro de certos limites .“Eles não estãodis postos aforçarPyo­ngy anga uma situação de submissão.”

Em sua posição de força, Xi expressa aspirações globais inéditas para um líder comunista chinês. No congresso do PC, ele apresentou a China como um modelo para países em desenvolvi­mento. Nos meses anteriores, tentou se posicionar como líder da globalizaç­ão e defensor de aspectos da ordem mundial criada pelos EUA depois da 2.ª Guerra.

O esforço de relações públicas foi facilitado pela vitória de Trump e pela crise em democracia­s ocidentais, evidenciad­a na emergência de partidos ultrana-

ciona listas. Sob o slogan “América em Primeiro Lugar”, Trump mina alianças tradiciona­is dos EUA e ataca as organizaçõ­es multilater­ais que garantiram a primazia global americana nos últimos 70 anos.

“Trumpes tá ajudando atornara China grande de novo ”, avalia Arthur Kroeber, da consultori­a Gavekal Dragonomic­s, parodiando o slogan de campanha do republican­o. Assim que chegouà Casa Branca, o presidente retirou o sEU Ada Parceria Transpacíf­ico( T PP ), acordoque fortalecer iaos laços econômicos coma região e isolaria a China.

Shambaugh afirmou que Trump diminuiu “de maneira dramática” a estatura e a influência dos EUA no mundo. “Isso deixa um vácuo geoestraté­gico que a China ocupa até certo ponto”, observou. “Os EUA deram um passo atrás em vários aspectos da liderança global, como a saída da Unesco, do Acordo de Paris e do TPP”, afirma Elizabeth Economy, diretora de Estudos Asiáticos do Council on Foreign Relations.

Pesquisa do Pew Research mostra que Xi tem uma imagem mais positiva que a de Trump, ainda que a percepção sobre ambos seja ruim. Segundo o levan- tamento, 28% dos entrevista­dos disseram ter confiança em que o líder chinês conduzirá de maneira adequada questões globais. Trump obteve 22% no mesmo quesito.

O porcentual dos que declaram não ter confiança no presidente dos EUA passou de 23%, no fim do governo Barack Obama, para 74% depois da posse de Trump. Ao mesmo tempo, a visão favorável do país caiu de 64% para 49%, apenas um ponto porcentual acima do índice obtido pela China.

Assim como Trump é um representa­nte imperfeito de valores democrátic­os ocidentais, Xi é um candidato problemáti­co ao cargo de líder mundial. “No Fórum Econômico Mundial de Davos, Xi Jinping reivindico­u a liderança na defesa da globalizaç­ão, mas a China não permite o livre fluxo de capital nem de informação. Você não pode ser defensor da globalizaç­ão se não a pratica”, afirma Economy.

Segundo ela, há um grande nervosismo na Ásia em relação à crescente influência da China e à aparente retração dos EUA. As visões mais negativas em relação a Pequim na pesquisa do Pew Research são registrada­s na região. No Vietnã, 84% dos entrevista­dos têm uma visão favorável dos EUA e apenas 10% expressam a mesma opinião em relação à China. Nas Filipinas, os índices são de 78% e 55%, na Coreia do Sul, de 75% a 34% e no Japão, de 57% a 13%, todos em favor dos americanos.

Kroeber observa que os EUA estruturar­am sua influência mundial com uma rede que incluiu a maioria das grandes economias e as organizaçõ­es multilater­ais criadas no pós-guerra. “A China não tem aliados, enquanto os EUA têm um sistema de alianças forte. A China é um país isolado e parece querer se manter assim, o que limita seu poder.”

Mas Trump tem atacado alianças americanas e a ordem democrátic­a liberal que a sustenta. Em sua estreia na ONU, em setembro, ele defendeu a primazia do Estado nacional em detrimento de acordos multilater­ais. “Em vez de reconhecer a importânci­a das alianças, Trump as está destruindo”, ressaltou Kroeber. “Se cada nação individual se torna uma ilha, a China é a maior ilha e se tornará a mais poderosa.”

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