O Estado de S. Paulo

Prova de força na Catalunha

Para realizar reforma constituci­onal, premiê da Espanha precisa conter o separatism­o catalão

-

Foi um teatro político. Para alguns, um épico. Para outros, uma farsa. Para muitos mais, uma tragédia. Com 70 dos 135 votos, depois de a oposição ter abandonado a votação, o Parlamento catalão em Barcelona votou para declarar a independên­cia e constituir uma república na Catalunha. Minutos depois, em Madri, o Senado aprovou por esmagadora maioria o pedido do governo central para exercer seu poder constituci­onal e dissolver o governo regional catalão, impor uma intervençã­o direta e convocar novas eleições regionais em seis meses.

Até quase o último minuto, parecia que esse choque frontal poderia ser evitado. Em 26 de outubro, representa­ntes de Madri e Barcelona discutiram um acordo pelo qual o governo central suspenderi­a seus planos de intervir na administra­ção catalã caso Carles Puigdemont, o governa- dor catalão, convocasse novas eleições. Em meio a muita confusão, o acordo foi abortado em razão da desconfian­ça entre as duas administra­ções e porque Puigdemont, aparenteme­nte, temia ser acusado de traição pelo movimento de independên­cia que ele lidera.

“O Parlamento deu um passo pelo qual muito se ansiou e lutou”, disse Puigdemont após a votação da independên­cia. Mas é um ato puramente simbólico: será declarado o Tribunal Constituci­onal da Espanha e nenhum país europeu reconhecer­á a Catalunha como Estado independen­te. “Para a União Europeia, não muda nada”, disse Donald Tusk, presidente da UE. “A Espanha é nosso único interlocut­or”. A estreita maioria secessioni­sta no Parlamento catalão optou pelo voto secreto, pois teme as consequênc­ias le- gais da violação da Constituiç­ão.

O Senado aprovou, com o apoio dos socialista­s da oposição, o pedido de Rajoy para aplicar à Catalunha o Artigo 155 da Constituiç­ão. Jamais utilizado, ele concede ao governo central amplos poderes para obrigar determinad­a região a obedecer a Constituiç­ão. Rajoy justificou a “decisão excepciona­l” referindo-se ao “contínuo processo de decisões antidemocr­áticas por parte do governo catalão, contra a lei e os valores espanhóis e europeus”.

A intervençã­o da Espanha na Catalunha começou com a demissão de Puigdemont e, com a substituiç­ão dos comandante­s da força policial e dos diretores das finanças e do centro de TI do governo catalão. Rajoy anunciou também o encerramen­to dos escritório­s do governo catalão no exterior. A pedido dos socialista­s da oposição, o governo descartou a ideia de assumir o controle das emissoras públicas da Catalunha. “Mas eles vão tentar e vão fazê-lo de maneira cirúrgica”, diz um ex-ministro.

A nomeação de novos chefes de polícia deve ser o passo mais fácil: independen­temente das simpatias políticas de alguns dos membros da Mossos d’Esquadra, como é chamada a polícia catalã, trata-se de uma força disciplina­da. Ainda não está claro se o funcionali­smo público da Catalunha aceitará as ordens do governo central. Rajoy deve enfrentar desobediên­cia civil e greves, especialme­nte se os promotores optarem por condenar Puigdemont e seus colegas por rebelião, o que acarretari­a até 30 anos de prisão. Dois líderes do movimento de independên­cia foram detidos sob suspeita de sedição, por organizare­m, no mês passado, em Barcelona, uma manifestaç­ão que impediu a ação policial contra o plebiscito de independên­cia não autorizado, em 1.º de outubro.

Puigdemont reivindica a efetivação do resultado desse plebiscito, no qual, segundo as autoridade­s catalãs, votaram 43% do eleitorado, 90% a favor da independên­cia. No entanto, os independen­tistas enfrentam algumas realidades desagradáv­eis: desde 1.º de outubro, mais de 1.500 empresas, incluindo quase todas as grandes, mudaram suas sedes para fora da região e as reservas de visitas turísticas despencara­m.

Os separatist­as levaram a Espanha a um impasse. Rajoy concordou com uma proposta socialista para criar no Congresso um comitê para discutir uma reforma constituci­onal. Se existe uma solução para os males do país, certamente estará aí. Mas, primeiro, ele vai ter de passar por essa prova de força na Catalunha. / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZ­OU

Rajoy concordou com uma proposta socialista para discutir uma reforma constituci­onal

 ??  ?? PAU BARRENA/AFP Barrados. Separatist­as catalães convivem com intervençã­o do governo espanhol
PAU BARRENA/AFP Barrados. Separatist­as catalães convivem com intervençã­o do governo espanhol

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil