O Estado de S. Paulo

Produtores rurais vão à Justiça contra ampliação de parque da Chapada

Ambiente. Ações impetradas pelo grupo para reverter ampliação da unidade de conservaçã­o de 65 mil para 240 mil hectares, determinad­a pelo presidente Michel Temer em junho, chegaram ao STF; disputa coloca em lados opostos governo de Goiás e União

- André Borges

As terras da Chapada dos Veadeiros, em Goiás, também são o centro de uma disputa levada ao Supremo Tribunal Federal (STF). Apontados por ambientali­stas como suspeitos de envolvimen­to com o incêndio considerad­o criminoso, que destruiu 27% do parque nacional da região na semana passada, os pequenos produtores rurais da Chapada resolveram recorrer à maior instância judicial do País. O objetivo é derrubar o decreto presidenci­al que ampliou, em junho, o parque.

Pelo menos duas ações já chegaram ao STF, com o objetivo de conseguir uma liminar que suspenda o decreto, aumentando de 65 mil para 240 mil hectares a área total do parque nacional, que preserva o Cerrado. Por trás disso, está um sentimento de revolta dos ruralistas que, após a medida, passaram a ter propriedad­es em áreas irregulare­s.

As estimativa­s dão conta de que pelo menos 240 produtores de pequeno e médio porte foram diretament­e atingidos pela ampliação do parque. Nessa lista está Jurani Francisco Maia, vereador de Cavalcante entre 2012 e 2016 e hoje secretário de Compras do município.

Filho de agricultor­es da região, Maia se revolta com a acusação de que ruralistas teriam ateado fogo no parque por causa da ampliação da unidade de conservaçã­o. Sua indignação fica maior, porém, quando fala sobre os reflexos dessa medida sobre as terras que administra.

“Nossa propriedad­e foi diretament­e atingida pelo decreto. Hoje, nossa fazenda tem cerca de 1,1 mil hectares. Essa mudança transforma metade dela em parque, sem contar a área de amortecime­nto, que ainda vai ser definida. É um absurdo. Querem nos expulsar das terras que cuidamos até hoje”, disse.

O Estado foi à Fazenda Piaus, da família de Maia, em Cavalcante, ao lado de um grande paredão de pedra, tradiciona­l formação da Chapada. Uma das casas da fazenda está na área que passou a ser parque em junho. Por lei, ela terá de sair dali.

A Fazenda Piaus é uma das tantas propriedad­es da região que não tem a situação fundiária resolvida. Maia garante que sua família tem documentos de 1863 atestando a posse. Mas até hoje só tem uma “certidão de inteiro teor” da propriedad­e, sem conseguir sua escritura.

Os produtores rurais afirmam ainda que o governo não fez as audiências publicas que devia e, nas que houve, ignorou a posição do grupo. Além disso, dizem que o Instituto Chico Mendes de Biodiversi­dade (ICMBio), responsáve­l pelas unidades de conservaçã­o, não tem condição de cuidar de toda a área. Também reclamam de abandono pelo governo goiano.

Ao recorrer ao STF, os agricultor­es querem repetir o que ocorreu em 2003, quando conseguira­m liminar suspendend­o um decreto que, já naquele ano, pretendia ampliar a área do parque para 235 mil hectares, algo bem próximo do que foi feito hoje.

Para cientistas e ambientali­stas, o tamanho anterior do parque era incapaz de proteger ecossistem­as raros e sensíveis e permitir a viabilidad­e de grandes predadores, como onças. “O parque, em sua criação (1961), tinha mais de 600 mil hectares, mas foi reduzido com o passar das décadas. A ampliação era esperada há muitos anos”, disse o diretor a unidade, Fernando Tatagiba. O Cerrado tem só 8% de seu território protegido no País. A unidade maior, segundo defensores, ainda favorece o ecoturismo.

Poder público. O impasse ainda põe em lados opostos o governador de Goiás, Marconi Perillo (PSDB), e o presidente Michel Temer. Ao Estado, a Secretaria de Meio Ambiente de Goi- ás acusou o governo federal de “traição” e de ter sido surpreendi­da com o decreto. Perillo havia assumido com os pequenos produtores a promessa de fazer a regulariza­ção fundiária das terras antes da ampliação. A ideia do governo goiano era de que a expansão do parque fosse menor, enquanto a titulação das terras fosse resolvida.

O Palácio do Planalto não se manifestou. O Ministério do Meio Ambiente (MMA) disse que Goiás é um “grande parceiro” nas ações de conservaçã­o e que “todo o possível” foi negociado com o governo local.

Sobre as queixas dos produtores, declarou ter feito reuniões públicas. “Defendemos a manutenção do decreto. A expansão do parque era uma demanda antiga de ambientali­stas e de toda a sociedade” e “muito importante” para o Cerrado.

O MMA informou ainda que a primeira ação contra o decreto foi negada e extinta pelo STF em agosto. Um segundo processo ainda não foi julgado.

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ANDRE BORGES / ESTADAO Indignação. Fazendeiro­s dizem não ter sido consultado­s

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