O Estado de S. Paulo

BERÇO DO MOVIMENTO TEM MENOR TAXA DE FIÉIS DA EUROPA

Na região de Wittenberg, apenas 6% dizem ter crença; meio século de socialismo ajuda a explicar baixa religiosid­ade

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Terça-feira, meio-dia. A Igreja do Castelo de Wittenberg está cheia. A notícia pode parecer boa. Mas apenas para os negócios. Trata-se de um grupo de turistas americanos que desembarca de um ônibus para conhecer a cidade de Lutero. Os fiéis locais? “Há muito não os vemos”, brinca uma das funcionári­as do local.

Meio século de socialismo e mais de 25 anos de uma sociedade profundame­nte laica levaram ao esvaziamen­to do berço do movimento. Hoje, enquanto 60% dos alemães dizem seguir alguma crença, na região de Wittenberg a taxa é de apenas 6%. Menos de 2% dos 49 mil habitantes locais participam dos cultos.

Na cidade onde Lutero nasceu, Eisleben, as três igrejas estão tão vazias que uma delas deixou de fazer cultos. Nas duas outras, o número de fiéis não passa de 30 pessoas a cada domingo.

“Trata-se do local com a menor taxa de fiéis em toda a Europa”, constata Benjamin Hasselhorn, curador das exposições sobre os 500 anos de Lutero. Segundo ele, o regime comunista da Alemanha Oriental manteve relação ambígua com Lutero. De um lado, por questão ideológica, barrou qualquer incentivo aos cultos ou ensinament­o bíblico. Mas fazia questão, sempre que podia, de festejar o fato de que Lutero era de lá. Prova disso foi a festa que realizaram em 1983 para marcar os 500 anos de seu nascimento. Os eventos, porém, se limitaram aos museus.

Para moradores de Wittenberg, uma infância sob o socialismo significou que todas as histórias de Lutero foram deixadas às margens do ensino. No lugar dos fiéis, porém, os locais se transforma­ram em atrações turísticas, com o governo alemão injetando milhões depois da queda do Muro de Berlim.

Hoje, pelas ruas da pacata cidade que um dia foi o centro de uma revolução, o turista pode levar para casa tudo o que pode imaginar com a imagem de Lutero. Mel, vinho, chocolate, aspirina, estátuas e até mesmo uma camiseta vermelha em que o monge aparece como em um retrato de Che Guevara. “Viva a Reforma”, diz a legenda, num jogo de pala- vras com “Viva a Revolução”.

Nada, porém, tem superado o sucesso de um boneco de Playmobil de Lutero. A peça se tornou o brinquedo mais vendido da Alemanha, justamente com a imagem de um monge que havia combatido a transforma­ção da religião em negócio.

Pelas ruelas, grupos de turistas americanos, escandinav­os e até brasileiro­s percorrem os principais marcos do protestant­ismo, para a satisfação dos comerciant­es locais. “Em dois anos, dobramos o número de turistas”, contou Kristin Ruske, uma das organizado­ras dos eventos em Wittenberg. Na esperança de promover o turismo nacional, o governo alemão ainda declarou apenas para 2017 o dia 31 de outubro – data dos 500 anos – feriado. No dia tão esperado, trens deixarão Berlim a cada dez minutos para levar os fiéis. E os poucos hotéis da cidade lotaram.

Em Eisleben, cidade natal de Lutero, a comemoraçã­o também significou investimen­tos pesados. Mais de 20 milhões de euros foram gastos pelo governo para promover a renovação dos principais locais de visita, além da criação de um centro de pesquisa com a obra de Lutero.

Desemprego. Para as autoridade­s, o investimen­to tem um sentido econômico. Ao promover a reunificaç­ão, a região de Eisleben viu suas minas serem fechadas no início dos anos 1990. O desemprego bateu a marca de 30%, enquanto os jovens abandonara­m a região. Hoje, a taxa caiu para 12% diante da aposentado­ria de muitos daqueles que perderam seus trabalhos nos anos 1990 e o êxodo dos jovens. Ainda assim é o dobro da média alemã, com 6%. Não por acaso a onda de turistas também é comemorada por todos. “Começo a achar que a palavra loteria vem de Lutero”, brincou o dono de um restaurant­e italiano no centro de Eisleben.

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Ícone pop. Lutero estampa camisetas em banca alemã

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