O Estado de S. Paulo

Primeiro time transgêner­o do Brasil

Jogadores do ‘Meninos Bons de Bola’ nasceram meninas, se encontrara­m no corpo masculino e fundaram a equipe

- Gonçalo Junior

Raphael Henrique Martins é um homem transexual. Ele nasceu como mulher, mas se identifica com o gênero masculino. Por isso, fez cirurgia para a retirada dos seios e realiza tratamento hormonal que promove o cresciment­o de pelos e mudança na voz. No futebol, isso era um problema. Ele não queria jogar no time das meninas, pois não se sentia como elas. Por outro lado, era discrimina­do entre os meninos. Decidiu apostar na coluna do meio e criou o “Meninos Bons de Bola”, a primeira equipe transgêner­os do País.

A possibilid­ade de inserção social, saber em que time você joga, é uma das conquistas do grupo. “O esporte é um modo de viabilizar o encontro entre essas pessoas, proporcion­ando lazer e bem-estar e um grupo de apoio entre pares”, diz a psicóloga Moira Escorse, que acompanha voluntaria­mente o time, mas também atende outras demandas da comunidade LGBT.

O futebol é um aliado importante na transição, a passagem de um sexo ao outro, também do ponto de vista físico e psicológic­o. O tratamento hormonal provoca alterações físicas, entre elas, o ganho de peso. O futebol ajuda no aperfeiçoa­mento da forma física e no controle da ansiedade.

Em campo, o time está só começando, é amador. São 25 jogadores que treinam uma vez por semana na quadra do Sindicato dos Bancários. No domingo passado, quando o Estado foi conhecer o elenco, os bancários haviam pedido o local. O jeito foi treinar em uma quadra pública. O “Meninos” só tem um uniforme. As ações de divulgação são feitas por alunos de Comu- nicação da Universida­de Metodista. O time tem até apoio jurídico. Tudo é voluntário.

No próximo fim de semana, a equipe viaja para Curitiba para a Champions Alliance, evento esportivo e cultural da prefeitura local em prol da diversidad­e.

Para conseguir os R$ 2,6 mil da viagem, os jogadores fizeram uma vaquinha de R$ 20 por mês e venderam balas e doces nos semáforos de São Paulo.

O calendário de 2018 é mais ambicioso. A ideia é dar um salto. Os organizado­res estudam ampliar o elenco para atuar na várzea e treinar mais. Além disso, querem disputar os Gay Ga- mes, maior evento LGBT do mundo, em Paris. Para isso, vão fazer campanha nas redes sociais para arranjar patrocinad­ores e obter R$ 80 mil. Todos trabalham em outras atividades.

Cristiano Nunes é cabeleirei­ro e um dos craques do time. Sua habilidade vem dos treinos no Juventus, quando ainda era menina, dos 11 aos 16 anos. Naquela época, era Cristiane Henrique Nunes. Hoje, aos 33 anos, o meia se prepara para fazer a retirada dos seios, um dos principais procedimen­tos – na visão dos atletas – para se tornar homem. No domingo, quando anunciou que não poderia viajar para Curitiba por causa da cirurgia, chamou o procedimen­to de “libertação”. E foi aplaudido pelos companheir­os.

Cristiano não quis aguardar na fila no Sistema Único de Saúde (SUS) para fazer o procedimen­to. Demora. Claudio Galícia, outro jogador dos Meninos Bons de Bola, conta que sua cirurgia demorou cinco anos. Para juntar os R$ 10,5 mil do procedimen­to na rede privada, em São Bernardo do Campo, teve de economizar por mais de um ano. “Não sobrava para nada”.

Ele é casado há 15 anos e conta que sempre teve uma conversa aberta e franca com sua mulher sobre tudo. O restante da família se divide: uns apoiam, outros fingem não entender ou ignoram sua opção. “O futebol sempre foi uma dádiva e me ajuda em tudo: conter a ansiedade, fazer amigos e viver como sou”.

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FOTOS : WERTHER SANTANA/ESTADÃO Meninos Bons de Bola. Primeiro time de transgêner­os do Brasil treina em quadra no centro de São Paulo
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Cirurgia. Tirar os seios custa até R$ 10 mil
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Na várzea. Eles nasceram meninas

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