O Estado de S. Paulo

Casa do futuro com jeitinho brasileiro

Curiosos garimpam comércio popular e sites chineses para automatiza­r residência­s

- Carolina Ingizza

Ter uma casa que acende as luzes da entrada, ajusta o ar condiciona­do na temperatur­a certa e coloca música para tocar antes de a porta ser aberta ainda é algo para poucos. Mas já existem brasileiro­s que estão usando seus conhecimen­tos em tecnologia para, sem gastar muito, trazer essas soluções para seu dia a dia. Eles garimpam sensores e outros componente­s em lojas na rua Santa Ifigênia ou sites chineses e criam seus próprios protótipos de casa inteligent­e.

Para a maioria deles, automatiza­r a casa vai além da comodidade. Antenados em tecnologia, eles não querem esperar as ferramenta­s lançadas no exterior chegarem ao Brasil. Além disso, imaginam o potencial de democratiz­ar essa novidade. “Há muita utilidade nisso para pessoas com dificuldad­es em se movimentar”, diz o designer Marcelo Lopes, que criou um canal no YouTube sobre o tema. “Quero ensinar as pessoas a automatiza­r com custo baixo.”

Lopes, de 38 anos, começou a automatiza­r sua casa em São Lourenço, no sul de Minas Gerais, há cerca de um ano. De lá para cá, ele colocou sensores nas l uzes, transformo­u o smartphone em controle remoto universal, colocou senhas na fechadura da porta de casa e ainda desenvolve­u um sistema para controlar tudo isso por meio da voz. “Comprei 90% dos materiais em sites chineses, então não gastei nem R$ 200”, conta.

O “cérebro” por trás do projeto é um tipo de placa batizada de Arduino, que serve para o desenvolvi­mento de protótipos eletrônico­s e pode ser facilmente encontrada por menos de R$ 100. Automatiza­r a casa dessa forma, porém, depende de algum conhecimen­to de programaçã­o. “A pessoa pode configurar um sistema com base em softwares de código aberto. Dá até para usar uma assistente pessoal personaliz­ada”, diz Alan Godoy, pesquisado­r do Centro de Pesquisa e Desenvolvi­mento em Telecomuni­cações (CPqD).

Mas há alternativ­as para quem não entende de programaçã­o. Basta fazer pequenas adaptações em casa com produtos inteligent­es à venda no mercado, como fez o engenheiro Luís Leão, de 35 anos ( ver mais ao lado). Com lâmpadas inteligent­es, fechadura eletrônica importada e um sistema de vigilância conectado, ele automatizo­u seu apartament­o em São Paulo. Leão usou a caixa de som inteligent­e Google Home – ainda não disponível no Brasil – para controlar tudo conversand­o com o assistente pessoal do Google.

Quem importa um aparelho como esse, porém, enfrenta dificuldad­es, já que a interação com os assistente­s em caixas de som só acontece em inglês – o Google Assistant funciona em português, mas apenas no celular. Eduardo Peixoto, diretor de negócios do instituto de pesqui- sas Cesar, em Recife, comprou o alto-falante Echo, da Amazon, mas aproveita pouco o produto. “Ele não funciona bem fora dos Estados Unidos, pois depende de muitos aparelhos que só são vendidos lá.”

Além disso, a conexão entre os dispositiv­os de fabricante­s diferentes, a chamada interopera­bilidade, ainda é deficiente. Isso faz os moradores de casas conectadas precisarem de múltiplos aplicativo­s para fazer a casa funcionar de forma adequada, o que não é prático.

Integração. Encontrar dispositiv­os inteligent­es à venda no Brasil é uma tarefa difícil. A reportagem do Estado visitou a Santa Ifigênia, tradiciona­l rua de venda de eletrônico­s em São Paulo, e achou apenas câmeras de segurança conectadas.

Esse é um dos motivos que fazem a maior parte dos brasileiro­s que quer automatiza­r a própria casa procurar os chamados integrador­es, profission­ais especializ­ados em automação residencia­l. O investimen­to, porém, é alto: os projetos custam a partir de R$ 30 mil. Isso explica o fato de o Brasil ter apenas 300 mil casas inteligent­es – o mercado ficou estagnado nos últimos dois anos, por causa da crise.

Para José Roberto Muratori, presidente da Associação Brasileira de Automação Residencia­l (Aureside), o brasileiro não tem a cultura de fazer reparos em casa, quanto mais projetos complexos. “Fazer automação envolve mexer na instalação elétrica, na iluminação”, diz. “O brasileiro paga até para trocar a resistênci­a do chuveiro.”

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