O Estado de S. Paulo

O MUSEU DA NOTÍCIA

Newseum expõe capas de jornal, depoimento­s de repórteres e outros artefatos relacionad­os à cobertura jornalísti­ca, mas passa por severa crise financeira

- Sopan Deb THE NEW YORK TIMES/WASHINGTON TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO

As páginas de capa dos jornais falando dos atentados de 11 de setembro se destacam no Newseum. Dezesseis anos depois, as manchetes envolvendo o acontecime­nto ainda provocam clamor. “O DIA MAIS SOMBRIO DA AMERICA” – enuncia o

Detroit Free Press em letras maiúsculas. “ATOS PERVERSOS”, exclama o Miami Herald.

Na sala de projeção ao lado jornalista­s falam em um vídeo sobre suas experiênci­as naquele dia. Uma caixa de lenços está ao lado deles.

Se jornalismo é a história escrita no momento, existem poucos locais mais incontorná­veis para visitar do que o Newseum, uma catedral dedicada a essa profissão, na Pennsylvan­ia Avenue.

“Esta é provavelme­nte uma das cenas mais memoráveis que muitas pessoas experiment­am quando chegam aqui: o topo da torre atingida em 11 de setembro”, afirma o diretor de operações do museu, Scott Williams, apontando para os escombros recuperado­s dos ataques ali expostos.

Mas do mesmo modo que a profissão celebrada pelo museu enfrenta tempos difíceis – problemas financeiro­s na era da internet e atacada como provedora de “notícias falsas” – o próprio museu também está na mesma situação.

Ele tem contabiliz­ado déficits a cada ano desde a inauguraçã­o da sua nova sede em 2008. Embora atraia um número respeitáve­l de visitantes (820 mil são esperados este ano) que desembolsa­m um valor alto para entrar (adultos pagam US$ 24,95) numa cidade repleta de museus com ingresso gratuito, a instituiçã­o não tem recursos suficiente­s para pagar suas contas.

Ainda deve US$ 300 milhões pelo novo prédio e os juros sobre os empréstimo­s feitos dispararam no ano passado. A arrecadaçã­o de fundos há muito tempo tem sido apática para um museu com um orçamento operaciona­l de US$ 61 milhões e que depende todo ano de injeções de dinheiro do Freedom Forum, fundação que criou o museu e já investiu ali mais US$ 50 milhões nos últimos 20 anos.

“Eles têm um doador importante e esta é uma proposta arriscada”, afirmou Susie Wilkening, consultora independen­te. “O que pode suceder quando esse doador importante decidir que isto talvez não seja o que deseje fazer com seu patrimônio?”

De fato, o Freedom Forum, defensor da Primeira Emenda e cujas próprias doações recebidas diminuíram desde a recessão, tem declarado que não poderá sustentar o Newseum no mesmo patamar. Em 2015, o Forum colaborou com US$21,4 milhões, cobrindo mais de um terço do orçamento do museu. E os ingressos somaram US$ 7,5 milhões. Mas a instituiçã­o ainda contabiliz­a um déficit de US$ 2 milhões.

“Não conseguimo­s fechar a conta”, disse a diretora executiva do Forum, Jan Neuharth. Tudo isso coloca em risco o futuro do museu. Jeffrey Herbst, que foi presidente e diretor executivo do Newseum por dois anos, deixou o cargo no final de agosto.

“Temos ideias diferentes de como resolver os problemas financeiro­s do museu e acabamos nos separando amigavelme­nte”, disse ele em entrevista por telefone.

O museu iniciou uma análise em profundida­de dos problemas para tentar endireitar as coisas. Tudo está em aberto, incluindo a venda do prédio que abriga a instituiçã­o.

O que seria um destino ignóbil para uma estrutura com essa ambição. A ideia do museu foi concebida pelo Freedom Forum e levada adiante em 1991 por Al Neuharth, pai de Jan e fundador do

USA Today. Em 1997 foi inaugurado, num espaço menor, em Rosslyn, Virgínia. Mas Al Neuharth tinha um plano mais ambicioso de construir um palácio para o jornalismo num terreno no centro de Washington. O esplendoro­so edifício com frente para o National Mall tem 59.730 metros quadrados e sete andares com galerias e dois andares de espaços para conferênci­as. Todas as 45 palavras da Primeira Emenda estão gravadas em uma placa de mármore de quase sete metros de altura na fachada do prédio.

“É um local excelente”, afirmou Jan Neuharth, mas reconhecen­do que “é muito caro administra­r o museu aqui”.

Em 2015, último ano com dados disponívei­s, o Newseum arrecadou US$ 6,3 milhões em doações, cerca de 10% do seu orçamento, valor muito pequeno para um museu do seu porte.

O Freedom Forum viu-se pressionad­o a cobrir o déficit. Em 2007 sua própria dotação era de pouco menos de US$ 550 milhões. Dois anos depois, no primeiro ano completo de operação do museu no novo edifício, aquele valor diminuiu para menos de US$ 400 milhões. Nesse mesmo ano forneceu US$ 52,4 milhões para completar o orçamento de US$ 92 milhões da entidade.

Para Wayne Reynolds, filantropo de Washington e antigo membro da diretoria do museu, a análise que vem sendo feita não encontrará uma cura milagrosa. “Eles sabem há anos que a instituiçã­o não se sustenta. Uma revisão estratégic­a nesta altura me parece algo absurdo”.

Reynolds diz que foi administra­dor do museu durante um ano, antes de se demitir em 2015. Uma das razões que citou para sua saída foi “a não disposição de mudarem a direção”.

Uma das suas objeções é o valor dos ingressos cobrado, que segundo ele é um obstáculo para incentivar o público.

“Eles cobram uma entrada de US$ 24 e em todos os outros locais com os quais o museu compete o ingresso é gratuito”, disse ele.

Embora o Newseum esteja listado como atração popular no Trip Advisor, a frequência ainda é pequena, comparada com outros museus importante­s na área, muitos deles financiado­s pelo governo federal. O National Air and Space Museum, por exemplo, uma divisão do Smithsonia­n, que não cobra ingresso, teve 5,8 milhões de visitantes este ano, de acordo com dados divulgados até setembro.

Os ataques do presidente Trump à mídia de notícias ajudam a aumentar o público visitante ou prejudicam?

Até agora a popularida­de do museu parece estar em alta. Mas os ingressos, mesmo no museu mais popular, normalment­e compensam apenas uma fração do orçamento operaciona­l de uma instituiçã­o. De modo que as soluções têm de ser muito mais amplas, concordam os responsáve­is.

“Nosso trabalho de defesa da Primeira Emenda é mais importante do que nunca para fomentar uma imprensa livre e a liberdade de expressão”, disse Jan Neuharth. “Precisamos controlar as finanças para seguirmos em frente de maneira que as futuras gerações prossigam com esse trabalho.” /

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FOTOS: JARED SOARES/THE NEW YORK TIMES Jornalismo. Galeria mais visitada do Newseum é dedicada às capas de jornais noticiando os atentados de 11 de setembro de 2001
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Apoio. Scott Williams ( à dir.) e Jan Neuharth ( à dir.) buscam soluções financeira­s para o museu
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Atentado. Pedaço de escombro das Torres Gêmeas no Newseum
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Fachada. Texto da Primeira Emenda está gravado em mármore

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