Quando aprender vai além do conteúdo
Colégios passam a valorizar atividades que constróem capacidades socioemocionais. Isso melhora até desenvolvimento cognitivo
A atividade pode ser simples como um jogo entre equipes, mas por meio da brincadeira as crianças exercitam atitudes como esperar sua vez, pensar em estratégias, ouvir e dar opiniões, aceitar a decisão do grupo, lidar com o inesperado, encarar a frustração da derrota e aproveitar a alegria da vitória sem tripudiar de quem perdeu. A longa lista de competências desenvolvidas em uma simples disputa ajuda as crianças a conviverem melhor no presente, assim como as prepara para a vida fora da escola, como cidadãos e futuros profissionais.
Não é de hoje que as crianças participam de jogos, mas é recente o movimento da valorização desses momentos nas escolas. “Muitas questões já eram trabalhadas nas escolas, mas a amarração disso como um conceito é muito novo”, explica Letícia Lyle, coordenadora da pós-graduação do Instituto Singularidades, para quem essa mediação intencional é indispensável. “Quando não se sabe muito claramente o porquê, acaba sendo feito aos pedaços, sem consistência.”
O fenômeno cresce no Brasil, com cada dia mais escolas prometendo aos pais promover aprendizados socioemocionais, assim como em muitos outros países. “O movimento nasceu a partir de pesquisas sobre o que é preciso para ter sucesso no século 21. Nos estudos, ficou claro que o modelo focado só no conteúdo estava ultrapassado, que muitos fatores não cognitivos influenciam o sucesso”, diz a professora do Singularidades.
A escola pode trabalhar em quatro frentes: intervenções específicas, formação de professores, intencionalidade curricular e gestão da escola
Letícia Lyle, coordenadora da pós-graduação do Instituto Singularidades
Pela própria natureza, os aprendizados socioemocionais são mais difíceis de serem mensurados objetivamente. Para os pais, saber se o prometido no discurso vai se realizar na prática é um novo desafio. O conselho de Letícia é sempre perguntar “como”. “Tem de chegar para a escola e dizer: me conta como isso acontece, me dá exemplos. Tem formação de professor para isso? Onde aparece no currículo? Tem outros tipos de atividades? Quais?”, cita.
Por ser uma mudança de paradigma muito recente, as escolas estão num momento histórico de construção, ainda buscando caminhos e encontrando pontos de equilíbrio, defende a psicóloga, professora e consultora Anita Abed que preparou um estudo para a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) sobre o tema em 2013. “O professor tem de ser capacitado para promover o desenvolvimento emocional e social, dar aulas mais reflexivas. Mas não pode ser uma terapia.” Acima de tudo, existe a necessidade de os educadores e as instituições de ensino compreenderem as mudanças em sua função. “A escola tem de assumir o papel de formação de pessoas, por inteiro.”
No dia a dia, os pais conseguem perceber se a escola tem de fato a preocupação com o desenvolvimento integral até pelo tipo de lição de casa. “É um bom indicativo se a lição põe os alunos para investigar, para coletar folhas no parque, enfim, se passa atividades criativas em que os estudantes se tornem coautores”, diz Anita. Promover semanas culturais ou trabalhar com projeto específicos, como campeonatos de jogos de tabuleiro, são outros exemplos.
Vantagens. Além de preparar para o futuro, para ser criativo e maleável para lidar com um mundo desconhecido, o aprendizado socioemocional ajuda no presente. “O desenvolvimento integral, do afetivo, do social e do cognitivo, traz benefícios diretos. O cli- ma na escola fica mais positivo, de colaboração entre todos”, diz Ana Claudia Correa, orientadora educacional do colégio Stance Dual, na zona central de São Paulo.
O Stance Dual desenvolve um projeto com as turmas de 6.º a 9.º anos chamado “equipe de ajuda”, no qual um grupo de alunos atua para intermediar conflitos entre colegas e resolver problemas sem a necessidade de levar as questões para os adultos. “O bullying seria um caso mais grave. Mas a intervenção barra isso antes. Eles têm muitos conflitos para os quais não querem a intervenção dos adultos, pois eles veriam co- mo uma intrusão”, explica Ana Claudia. A equipe é escolhida pelos próprios alunos e recebe orientação dos educadores para encontrar maneiras de ajudar. “Eles não têm de contar nada para os adultos. Só temos um combinado de que eles nos avisarão se for uma situação de risco de vida ou risco coletivo”, explica.
Apesar de ser um pequeno grupo o que estuda constantemente para resolver conflitos, todos acabam envolvidos com o tema. “No início do ano, é feito um trabalho com toda a turma, as crianças levantam quais são as características de uma pessoa confiável. Têm de refletir em quem elas veem essas qualidades – e muitas vezes pode ser em alguém que nem é seu amigo”, conta Ana Claudia.
Ao estudar num colégio onde o clima é tranquilo, o aluno fica mais disposto a aprender os demais conteúdos. Portanto, desenvolver aprendizagens socioemocionais também está conectado ao desenvolvimento cognitivo. “Se ele sabe resolver problemas, ou seja, qualquer situação em que a solução não está dada, quando tiver dificuldade de aprender uma disciplina, não vai ficar bloqueado. Vai refletir, buscar outras formas, outras atividades, conversar com o professor”, diz Anna Katarina Vasconcellos, gerente de Inovação e Projetos da editora Moderna, que trabalha para a inclusão do aprendizado socioemocional em todo o currículo.
Até porque não adianta o estudante saber todas as respostas do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) e no dia da prova ficar tão nervoso que não consegue responder nada. Ou ser aprovado num vestibular concorrido e depois desistir do curso porque não era o que gostaria. A Universidade de São Paulo (USP), uma das melhores do Brasil, têm evasão acima de 20%. “O mundo vai exigir cada vez mais a preparação para ser um cidadão global. A educação básica tem desdobramentos muito além do vestibular”, diz Anna Katarina.