Com 7 casos por dia, latrocínio sobe 58% no País em 7 anos
Os roubos seguidos de morte cresceram em 19 Estados entre 2015 e 2016
Foram registrados no País 2,5 mil latrocínios no ano passado, ou sete casos por dia, 57,8% a mais do que em 2010, de acordo com dados inéditos do 11.º Anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, que será divulgado hoje. Nos sete últimos anos, houve 13,8 mil casos de roubos seguidos de morte. Os registros desse tipo de crime cresceram em 19 Estados entre 2015 e 2016, incluindo o Rio, com alta de 70%. Para especialistas em segurança pública, a crise econômica e a redução de investimentos no combate à criminalidade ajudam a explicar os indicadores. Em São Paulo, que tem ta- xa de 0,8 morte por latrocínio por 100 mil habitantes, a terceira menor do País, o aumento das ocorrências voltou a preocupar a polícia: foram 237 casos no primeiro semestre deste ano, maior número desde 2003. Os índices caíram no Estado nos últimos três meses.
O estudante Raphael Souza, de 19 anos, estava nas margens do canal de São Joaquim, na zona oeste de Belém, quando foi abordado por dois homens que pediam o seu celular. Negou-se a entregar o aparelho e foi atingido com um tiro no peito, o que causou pânico no seu irmão, testemunha do crime. “É uma sensação ruim lembrar disso. Vi meu irmão morrer e nada pude fazer, porque também morreria se reagisse”, disse o parente, que prefere esconder a identidade e ainda vive com medo.
Duas pessoas chegaram a ser presas pela morte de Souza em setembro do ano passado, mas hoje estão soltas. Um adolescente de 17 anos foi liberado sem cumprimento de medida socioeducativa. O seu suposto parceiro, Júlio Oliveira, de 25 anos, disse à Justiça que foi o rapaz quem fez o disparo, conseguindo pouco tempo depois também sair da prisão. Em 2016, o Pará foi o Estado que teve a mais alta taxa desse tipo de crime, o latrocínio, no País: 2,4 por 100 mil habitantes.
Dados inéditos do 11.º Anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, que será divulgado hoje, mostram que esse crime subiu 57,8% no País entre 2010 e o ano passado, quando houve 2,5 mil registros ou sete casos por dia. A análise do Fórum, que reúne números oficiais, é a mais relevante do setor. A organização reúne pesquisadores e policiais no debate de políticas públicas.
No total, foram 13,8 mil assassinatos durante roubos desde 2010. De acordo com especialistas, a crise econômica associada a problemas em programas estaduais de redução de criminalidade – que perderam inves- timentos – é um dos fatores para entender os indicadores. Com a recessão, em muitos Estados houve queda tanto da capacidade de policiamento nas ruas quanto de investigação.
O latrocínio tem punição pesada prevista no artigo 157 do Código Penal. A pena de prisão é de 20 a 30 anos, o máximo permitido pela lei brasileira.
Ainda assim, os bandidos não têm se desencorajado. No Rio, a situação é especialmente preocupante ( mais informações na pág. A14). Pernambuco (cujo número de casos saltou de 114 para 167) e Espírito Santo (de 35 para 53) são outros que tiveram altas proporcionais relevantes. Pernambuco, por exemplo, teve um programa considerado modelo em redução de mortes violentas, que perdeu força nos últimos anos.
A liderança é do Pará, que subiu uma posição em relação a 2016. Rondônia passou da 20.ª para a 7.ª posição; Pernambuco pulou nove posições, sendo agora o 8.º. Os latrocínios cresceram em 19 Estados, como Rio e Pará, entre 2015 e 2016.
A Secretaria de Segurança do Pará disse que esclareceu vários latrocínios e que o resultado disso já está no Judiciário. A pasta contesta os dados do anuário, afirmando que seu levantamento não bate com o resultado da pesquisa, mas não apresentou seus dados. O Ministério da Justiça e da Segurança Pública não comentou os dados.
Causas. O diretor executivo do Instituto Sou da Paz, Ivan Marques, associa o fenômeno ao crescimento dos crimes patrimoniais. “O latrocínio é um tipo de crime contra o patrimônio, não à toa as polícias falam que é o roubo que deu errado. Aumentando o roubo, como vimos em 2016, o latrocínio também vai crescer, gerando esses dados espantosos.”
Marques diz que há um con- junto de fatores que influenciam, entre eles o “momento econômico”. “O roubo produz uma sensação de insegurança ligada ao cerceamento da liberdade de ir e vir, levando as pessoas a mudarem hábitos. Com o latrocínio, esse sentimento é agravado, pois há violência letal.”
O Fórum divulgará hoje os dados completos do anuário. O principal número esperado é o de homicídios totais de 2016. O balanço deve mostrar crescimento da violência, segundo apurou a reportagem.
Em relação a 2017, o Estado mostrou em agosto que o País já havia registrado 28 mil homicídios no primeiro semestre.
O latrocínio voltou a preocupar a polícia de São Paulo em 2017. Não se viam indicadores tão altos no primeiro semestre, com 237 ocorrências, desde 2003. Isso alertou a Secretaria da Segurança Pública (SSP), que conseguiu reduzir crimes do tipo nos últimos três meses. Ainda assim, o total de latrocínios entre janeiro e setembro (266) é maior do que no mesmo período do ano passado e de 2015.
Segundo o Anuário de Segurança Pública, São Paulo teve o maior número de latrocínios do País em 2016. O Estado, porém, é o mais populoso, com 45 milhões de pessoas, fazendo com que a taxa por 100 mil habitantes seja de 0,8, a terceira menor.
Pesquisa do Instituto Sou da Paz com todos os registros de latrocínio de 2016 mostraram características das vítimas. Dois aspectos chamam a atenção: 20% delas eram idosas, e metade morreu em assaltos a residência. Outros 20% eram agentes de segurança, como policiais. Por andarem armados a maior parte do tempo e terem propensão a reagir a roubos, eles acabam sendo alvos.
Mensagem de voz. O cabo da PM Hiata Anderson, de 38 anos, estava de folga em 25 de novembro de 2016, seu aniversário de casamento. Como sempre fazia nessa data, saiu cedinho de casa para comprar flores para a auxiliar administrativo Lucinéia Gonçalves, de 42. Era uma sexta-feira. Por volta das 11h45, ele leu o parabéns enviado pela mulher e respondeu com uma mensagem de voz no Whatsapp. “Obrigado você, por me aguentar por 16 anos! A gente se vê mais tarde”, disse, minutos an- tes de ser morto em um assalto.
“Foi a última vez que ouvi a voz dele. Pelo que dizem, foi abordado naquele momento”, conta Lucinéia que, em seguida, pede desculpa por não conseguir falar da perda sem se emocionar. “Ele saiu de manhã, avisando para eu me preparar porque a gente ia jantar fora… ”, diz. “Fiquei sabendo do que aconteceu pelo Facebook. Tinha uma foto dele caído na rua, com o celular do lado.”
O cabo Hiata passava de motocicleta em um cruzamento de ruas em São Caetano, na Grande São Paulo, quando dois criminosos, também em uma moto, o surpreenderam. “Sem reagir! Sem reagir!”, teriam dito os bandidos. O policial, porém, tentou se defender, segundo a viúva. Os bandidos atiraram. Depois, a dupla fugiu sem levar o veículo, o celular e a carteira, que permaneceu no bolso da vítima.
Demitida cerca de 5 meses antes do crime, Lucinéia recebia auxílio-desemprego na época. Além da mulher, o cabo Hiata deixou duas filhas – a mais velha de 16 anos; a mais nova, de 6. “A falta que ele faz é muito grande. As meninas sempre falam do pai, que sentem o cheiro dele… Elas passam por psicólogo”, afirma a mãe. “Agora, vai fazer um ano: a gente já fica fragilizada de novo.”
Desde o crime, Lucinéia não conseguiu emprego porque precisa cuidar das filhas. “Graças a Deus, o pessoal do batalhão ajudou muito”, conta. Combate. A SSP disse desenvolver políticas para combater os crimes contra o patrimônio. Em setembro, a redução de latrocínios foi de 65%, destaca a pasta, em comparação com o mesmo mês do ano passado. “O trabalho tem sido intensificado com operações para reforçar o patrulhamento das unidades territoriais. Nos nove meses deste ano as polícias paulistas prenderam 40 pessoas em flagrante e 163 por mandados judiciais, todas envolvidas em latrocínios”, diz a secretaria.
A SSP diz que o caso do policial é investigado pelo 1.º DP de São Caetano. Na ocasião, um dos autores foi baleado e morreu. “As investigações prosseguem visando identificar e prender o segundo suspeito.”