O Estado de S. Paulo

O futuro da Venezuela

- LOURIVAL SANT’ANNA EMAIL: CARTA@LOURIVALSA­NTANNA.COM LOURIVAL SANT’ANNA ESCREVE AOS DOMINGOS

Quando o assunto é Venezuela, duas perguntas são recorrente­s: o que a comunidade internacio­nal pode fazer para abreviar o sofrimento do povo venezuelan­o e como isso vai acabar. Boa parte da oposição, em resposta à primeira pergunta, diz que sanções comerciais não são a solução, mas sim o isolamento político do país no cenário internacio­nal, ao lado do bloqueio de bens dos membros do regime.

O raciocínio por trás dessa posição é sinistro e me foi exposto mais uma vez na semana passada, pela deputada Manuela Bolívar, que veio a São Paulo a convite da Fundação Fernando Henrique Cardoso. O bloqueio à importação de petróleo e à exportação de produtos de primeira necessidad­e produziria mais fome e escassez. E essas são as vias pelas quais o regime chavista tem aprofundad­o seu controle sobre a população.

Eu vi isso de perto, quando cobri a eleição para a Assembleia Constituin­te, no dia 30 de julho. As pessoas estão passando fome e sem acesso a remédios. Isso é generaliza­do: atinge também as classes média e alta porque, mesmo tendo patrimônio, não há moeda circulando, e mesmo podendo fazer transferên­cias bancárias, nem sempre se encontram os produtos.

A maioria está focada na luta diária pela sobrevivên­cia. Esse não era o projeto original de Hugo Chávez. Assim como outros governante­s populistas de esquerda da América do Sul, ele surfou no super ciclo das commoditie­s, distribuin­do dinheiro, acompanhad­o de uniformes e palavras de ordem socialista­s, quando não de armas para proteger seu regime.

O controle da população por meio da escassez material é um Plano B. Mas nem por isso menos funcional. Os militares enriquecem com o monopólio das importaçõe­s e distribuiç­ão de produtos; os líderes chavistas locais garantem apoio das bases entregando esses bens de primeira necessidad­e aos leais ao regime; como a cesta básica não é suficiente, todos padecem nas filas, num exercício de submissão.

A oposição pede à comunidade internacio­nal que congele os bens dos dirigentes chavistas. E, no caso dos EUA, que ampliem o alcance dessa medida, que até agora atinge apenas 22 funcionári­os venezuelan­os, incluindo o presidente Nicolás Maduro. A esperança é de que, ao cortar o acesso a suas riquezas, e isolar a Venezuela como pária internacio­nal, eles saiam da sua zona de conforto e aceitem negociar de verdade.

Há um otimismo nessa posição. Coreia do Norte e Cuba, sem falar nas ditaduras africanas, estão aí para mostrar como regimes totalitári­os se aproveitam da miséria de seus povos, convertida em subserviên­cia graças ao controle absoluto dos meios de repressão. A combinação de fome e medo de apodrecer na cadeia mantém a população dócil.

Há um mito romântico segundo o qual a fome leva a revoluções. Não tem sido assim. Na Primavera Árabe, Tunísia, Egito, Líbia e Síria não se levantaram contra seus regimes opressores por fome de comida, mas de liberdade e dignidade. As revoluções da França, da Rússia, da China e mesmo de Cuba não foram iniciativa de miseráveis, mas de intelectua­is, burgueses e operários alimentado­s. Quando se está com fome, é impossível pensar noutra coisa que não seja comer. Todo o resto fica em segundo plano.

Quanto à segunda pergunta, como isso vai acabar, o regime não tem incentivo para negociar com a oposição, que afinal não o ameaça. Desde a derrota chavista na votação para a Assembleia Nacional em dezembro de 2015, não se realizaram mais eleições justas.

Não existe motivação real nem ambiente político para uma intervençã­o externa. O governo detém um vasto aparato repressivo. A oposição não tem armas nem desejo de violência. Será preciso um surto de patriotism­o entre soldados e suboficiai­s, não beneficiad­os pelos privilégio­s do regime, para que um levante armado derrube o governo. Mas os sinais disso ainda são tênues.

A maioria dos venezuelan­os está focada em sobreviver; e esse não era o plano de Chávez

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