O Estado de S. Paulo

CONTA EM ATRASO VIRA ROTINA PARA SERVIDORES

Sem receber em dia, funcionári­os do Rio atrasam aluguel de imóveis, TV a cabo e internet

- Mariana Durão / RIO

Asonhada estabilida­de do funcionali­smo público se tornou uma vaga lembrança para os servidores do Rio de Janeiro. A nova rotina de atraso de salários e aposentado­rias se traduz em drama no cotidiano das 470 mil pessoas com contracheq­ues vinculados ao Estado.

A falta do 13.º salário de 2016 e os atrasos nos pagamentos mensais atingiram em cheio a família Gentil. Joana D’Arc Gentil e sua filha Daniela são funcionári­as públicas da Fundação de Apoio à Escola Técnica (Faetec), da rede estadual fluminense. Nenhuma das duas recebeu salário em setembro e outubro. “Antes, usava o dinheiro do 13.º para comprar roupas para meus netos. Agora, quando receber vou ter de pagar o aluguel atrasado”, diz Joana D’Arc.

Daniela conta que a TV a cabo e a internet da casa foram cortadas. Sem condições financeira­s, ela teve de mandar os filhos adolescent­es para a casa do avô, em Três Corações (MG).

Padrão de vida. O inspetor de alunos Ronald Cosmo, de 51 anos, diz que a crise do Estado afeta os servidores financeira e psicologic­amente. Com 17 anos de carreira, ele relata que fica muito abalado por depender da ajuda de outras pessoas para sobreviver.

Depois de comprar um terreno para construir uma casa, Cosmo se viu sem recursos para tocar a obra. “Esperava usar o 13.º salário para fazer a obra do banheiro, mas o dinheiro não veio e tive de aceitar empréstimo­s de terceiros. Meu padrão de vida caiu muito nos últimos dois anos”, contou.

Funcionári­a do laboratóri­o de patologia do Hospital Pedro Ernesto, da Universida­de do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Marilda dos Anjos Reis, de 67 anos, conta que na semana passada fez um “bico” como cozinheira em uma casa de família para tentar recuperar o prejuízo dos salários atrasados.

“Em 35 anos de serviço público nunca vi situação parecida”, diz ela, que tem a guarda dos netos de 11 anos e 13 anos e dois meses de aluguel atrasados. “É para isso que vai o 13.º quando receber”, diz.

No caso de Enir Teles, de 73 anos, ficar sem receber o 13.º no ano passado teve um desfecho fatal. Sem salário, a servidora estadual aposentada foi espancada por uma dívida de aluguel de R$ 500 de uma quitinete no bairro de Vila Isabel, zona norte do Rio. Após passar um mês em coma no Hospital Salgado Filho, ela faleceu em janeiro. O caso foi registrado na 20.ª Delegacia de Polícia do Rio.

Na época, o agressor Pedro Souza do Nascimento, foi preso. Genro da dona do imóvel descrito como um “cabeça de porco” pelos policiais que investigar­am o caso, ele usava a força para cobrar os inquilinos. Antes de dar a coronhada que levou dona Enir à morte, já havia confiscado um fogão em represália à inadimplên­cia da aposentada da Superinten­dência de Desportos do Estado do Rio (Suderj).

“Antes usava o 13.º salário para comprar roupas para meus netos. Agora, vou ter de pagar o aluguel atrasado.”

Joana D’Arc Gentil SERVIDORA ESTADUAL

“Meu padrão de vida caiu muito nos últimos 2 anos.”

Ronald Cosmo INSPETOR ESCOLAR

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WILTON JUNIOR/ESTADÃO Dificuldad­e. Filhos de Daniela Gentil foram morar com avô

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