O Estado de S. Paulo

Folk de Bezão e Nô Stopa

Dupla lança ‘Duas Casas’ retomando a singeleza das canções

- Julio Maria

Há um espírito libertador nos violões de Nô Stopa e Bezão. Ela é filha de Zé Geraldo, tem trabalhos com Fernando Anitelli, do Teatro Mágico, lançou três discos solo, caminha com a Banda Mirim. Ele está ao lado da banda Folk na Kombi, que formou em linha de frente com Felipe Camara e Jonavo depois de começar a percorrer uma estrada com o grupo Roça Nova. Estão os dois imersos em um universo bem delimitado chamado folk, algo que começa a ser compreendi­do como um cenário viável também quando cantado em português.

Nô e Bezão estão lançando o disco Duas Casas. São nove canções assinadas pelos dois, inéditas, com exceção da abertura de Por que Negar?, de Nô com Renato Godá; e Era Uma Vez, com Nô, Bezão e Roberta Campos. O libertador está em uma postura que devolve à canção o formato da singeleza, da primeira ideia, do despudor com o simples, do sorriso dos acordes brilhantes. Não é necessário ali a busca pela genialidad­e, pelo toque na harmonia que a tire do caminho que o instinto pede, pelo arranjo conectado com alguma pretensa nova linguagem. Eles retomam, em um mundo de desconstru­ção, o que se tem de construído com verdade.

Há no encontro com Nô a parcela mais nítida de Bezão que já se percebia no Folk na Kombi. Então eram dele as levadas aceleradas que sugerem o banjo mesmo quando ele não existe, o violão de acabamento sujo, o vocal adocicado. De Nô, existe um voo sugerido por acordes que parecem estar sempre abrindo as asas. Vem tudo muito misturado, o que se explica pela forma como criaram tudo. “Dividimos música e letra em todas elas”, diz Nô. A mais curiosa nesse processo tem o nome de Deve Estar

Lá, uma canção que surgiu de dois sonhos.

Nô conta que acordou depois de sonhar com a estrofe de uma música. Mandou uma mensagem ao parceiro e teve dele uma resposta inusitada. “Eu também sonhei com uma música.” Na mesma noite, Nô sonhou com a estrofe e Bezão com parte dos versos que se comunicava­m na mesma canção.

A existência de um parceiro é definidor da natureza do material que se cria. Quando não é assim, a unidade do que se faz pode estar comprometi­da. Bezão diz que encontrou em Nô a felicidade que mora na cumplicida­de da criação. “Aqueles momentos em que criamos algo e já queremos mostrar um para o outro, em que qualquer ideia que vem um quer ligar para mostrar”. “Você embarca na viagem do outro”, diz Nô. “Gosto de compor imaginando como o outro vai cantar, como será a canção com ele.”

Os arranjos são simples e passam pela relação que os dois têm com seus violões de cordas de aço. Nô pode usar o capo traste mais para o meio do braço, conseguind­o não abrir mão das cordas soltas e dedilhando em vez de marcar batidas. O de Bezão tem mais essa função, das levadas e dos acordes cheios na região mais grave. Foi assim que mostraram as primeiras composiçõe­s quando chegaram ao estúdio do produtor Alexandre Fontanetti, que dividiu os trabalhos com Felipe Camara, do Folk na Kombi.

Cenário. Mesmo depois de rodar uma boa estrada com o Folk na Kombi, que está prestes a lançar um DVD gravado ao vivo, Bezão diz que ao mesmo tempo em que o folk começa a ser entendido como um gênero, ainda há uma dificuldad­e de nomenclatu­ra. “A palavra não existe para os brasileiro­s, esse nome não significad­a nada para muitas pessoas. Nô diz que no caso dela é algo muito natural, que vem do berço, já que seu pai é Zé Geraldo, mas sinto que ainda há uma dificuldad­e.”

O primeiro show de Duas Casas tem data. Ele será em 23 de novembro, às 20h, no Itaú Cultural. O duo sobe ao palco no mesmo formato usado para a gravação do disco, com um baixo acústico, uma bateria, cordas (guitarras) e um violino tocando com a intenção de rabeca (o instrument­o que foi usado no álbum). Os outros integrante­s do Folk na Kombi também seguem com trabalhos individuai­s, com discos em lançamento ou prontos para saírem.

A palavra não existe para os brasileiro­s, esse nome não significad­a nada para muitas pessoas. Nô diz que no caso dela é muito natural, que vem do berço, mas sinto que ainda há uma dificuldad­e”

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FELIPE RAU/ESTADÃO Nô e Bezão. Parceria foi definidora do estilo que surgiria entre os dois; show de lançamento será em 23 de novembro

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