‘O partido se acostumou com a violência’
Historiador Tamás Krausz, Húngaro acredita que massacre associado ao regime comunista decorreu de influências internas e externas
O historiador húngaro Tamás Krausz critica o uso da violência pelo partido e pelos líderes comunistas e diz que o problema não era só Stalin, mas os “muitos Stalins” que existiram e o “impulsionaram”. • Em seu livro Reconstruindo
Lenin, o senhor relata que os bolcheviques não souberam impor limites à violência e aos métodos ditatoriais. Quais as consequências disso para a revolução? A violência teve uma influência muito forte no partido. Simplesmente “acostumaram-se” a que os problemas se resolvessem pela força, com métodos “da guarda vermelha”. Os métodos militares eram “normais” na guerra civil, mas depois começaram a ser empregados também uns contra os outros, sem falar em operários e camponeses amotinados. Posteriormente, o poder stalinista mitificou essa “tradição” como heroísmo, ousadia na ação política. A revolução arrefeceu. Em vez de auto-organização, coação burocrática. É claro que não se pode “desistorizar” o processo histórico, e explicar tudo pela má vontade de Stalin. • O historiador Oleg Khlevniuk diz que o Grande Terror é a reação de Stalin à direção colegiada do partido, que limitava seu poder. Em que medida Stalin foi coveiro da revolução ou natural consequência do regime soviético? Khlevniuk, por um lado, está certo, pelo outro é melhor sublinhar que a questão não é só Stalin. Como o filósofo marxista húngaro György Lukács formulou, “muitos Stalins” existiram, e eles também impulsionaram Stalin para a cova escura do terror da ditadura pessoal. Já passara o perigo da restauração capitalista, era preciso baixar o nível do terror, em vez de aprofundá-lo. Mas ouso dizer que o coveiro da revolução foi feito principalmente pela história. É produto não só da história soviética, mas surgiu antes de tudo de traços específicos do processo histórico russo, da ausência de premissas socioeconômicas e civilizacionais para o socialismo.
A violência da guerra civil influenciou Stalin?
Eu falaria em três níveis de violência herdados pela história soviética. 1) Tipicamente, até 1905, o castigo corporal era um meio legal de manter o controle da população, especialmente os camponeses. 2) A herança violenta do colonialismo ocidental com campos de concentração, a violência do imperialismo, sob a forma da 1.ª Guerra. 3) A guerra civil, cujos métodos surgiram até no Grande Terror.
• O Gulag era um grande empreendimento econômico. Nesse sentido, como o uso de condenados em projetos do NKVD era importante para a URSS?
Sem dúvida havia ramos para os quais era difícil encontrar força de trabalho. Por exemplo, escavar ouro e metais não-ferrosos e produzir madeira na tundra e na região norte. Porém, depois da guerra, esse trabalho forçado não era efetivo e, portanto, era ainda mais nocivo moralmente. O Gulag, do ponto de vista econômico, participou da indústria da defesa. Ocorre muito de exagerarem a importância econômica do Gulag no desenvolvimento econômico soviético.
• Qual a consequência para o sistema soviético da morte de milhões de pessoas no Gulag?
Aqui notarei uma consequência que é muito esquecida. Quando reunimos os motivos do malogro da União Soviética, do sistema de socialismo de Estado, é obrigatório assinalar entre eles a morte em massa de pessoas sem culpa nenhuma nos anos 1930. Sua memória é um fardo imenso para os que guardam lembranças positivas da tradição socialista-comunista do desenvolvimento soviético, da revolução até o fim da URSS.
• Por que o Degelo de Kruchev e a Glasnost/Perestroika de Gorbachev não reformaram o regime?
Porque essas reformas de Gorbachev estavam voltadas para a manutenção dos privilégios da casta burocrática, dos estratos com estímulos capitalistas de mercado que, no fim, levaram à restauração do capitalismo. Kruchev ainda não capitalizou o país com reformas confusas, nem abriu a porta à autonomia da sociedade, parte teórica do programa do 22.º Congresso do PC da URSS, em 1961. Claro que nem Kruchev nem Gorbachev pensavam em socialização, em democratização da propriedade estatal, em controle das empresas pelos trabalhadores. Gorbachev ajudou o processo de privatização da propriedade do Estado, ajudou uma parte da nomenklatura a se tornar os novos capitalistas, os oligarcas. A propriedade socialista estatal virou propriedade privada. A responsabilidade de Gorbachev é clara, como o papel de Lenin na aniquilação da propriedade privada capitalista.
“Muitos ‘Stalins’ existiram e eles impulsionaram Stalin ao terror”