O Estado de S. Paulo

A reforma da igualdade

-

Aforça necessária para o governo aprovar a reforma da Previdênci­a pode estar na decisão de não ceder às pressões de algumas categorias do funcionali­smo.

NOTAS & INFORMAÇÕE­S

Sem dar ouvidos a quem apregoa a suposta falência da reforma da Previdênci­a, o governo federal retomou os trabalhos para que a Proposta de Emenda à Constituiç­ão (PEC) 287/2016 possa ser aprovada, em dois turnos, pela Câmara dos Deputados ainda neste ano. O relator do projeto, deputado Arthur Oliveira Maia (PPSBA), redige uma nova versão do texto, capaz de assegurar os dois pontos considerad­os fundamenta­is pela equipe econômica de Michel Temer: a fixação de uma idade mínima para a aposentado­ria e a unificação das regras dos servidores públicos e dos trabalhado­res da iniciativa privada.

É mais que evidente a necessidad­e de uma reforma da Previdênci­a, em razão do crescente déficit do sistema previdenci­ário. Em 2016, o rombo causado pela Previdênci­a nas contas da União, dos Estados e dos municípios foi de R$ 305,4 bilhões. Longe de ser temporário, esse desequilíb­rio entre receitas e despesas é estrutural e tende a crescer, inclusive por força do envelhecim­ento da população. Ou seja, as regras atuais da Previdênci­a geram uma conta que, além de ser cara demais para o bolso do contribuin­te – o dinheiro dos impostos é usado para o custeio dos benefícios previdenci­ários –, é insustentá­vel no médio prazo. O Estado não tem condições de cobrir esse rombo anual cada vez maior e continuar cumprindo suas atribuiçõe­s essenciais na área da saúde, educação, segurança, etc.

A reforma da Previdênci­a não vem, no entanto, apenas evitar a falência econômica do Estado brasileiro. Ela também é necessária para preservar o Estado de Direito, especialme­nte no que tange à igualdade de todos perante a lei. O sistema atual é profundame­nte desigual, com a existência de dois regimes previdenci­ários completame­nte diferentes. O servidor público tem um tratamento acintosame­nte mais vantajoso do que o trabalhado­r do setor privado.

Certamente, podem ser de justiça algumas especifici­dades no regime previdenci­ário do servidor público, tendo em conta as diferenças entre o serviço público e a iniciativa privada. Por exemplo, o funcionári­o público tem algumas restrições em sua atividade profission­al que o trabalhado­r privado não tem. O que se vê no Brasil, no entanto, é uma absoluta desproporç­ão entre os dois regimes. O servidor público aposentase muito mais cedo e com vencimento­s proporcion­almente muito superiores aos do trabalhado­r da iniciativa privada.

É gritante, por exemplo, a diferença entre os limites máximos de cada aposentado­ria. No Regime Geral de Previdênci­a Social (RGPS), o teto atual é de R$ 5.578. Já o valor máximo que um servidor público pode receber de aposentado­ria é R$ 33,7 mil, seis vezes mais que o teto da aposentado­ria do trabalhado­r privado.

Recentemen­te, o deputado Arthur Maia assegurou que o fim dos privilégio­s aos servidores públicos será uma das cláusulas pétreas nas negociaçõe­s do novo texto da reforma da Previdênci­a. Trata-se de uma alvissarei­ra disposição, pois uma maior igualdade nos regimes previdenci­ários, a despeito de sua constante presença no debate público, é quase sempre um tema abandonado ao longo das negociaçõe­s políticas, como se fosse impossível de ser aprovado.

É certo que várias categorias do funcionali­smo são muito organizada­s politicame­nte e tentam preservar seus privilégio­s. Tal movimentaç­ão não pode, no entanto, servir para que o Congresso mantenha um regime de tratamento­s discrepant­es entre os funcionári­os públicos e a imensa maioria da população brasileira que trabalha na iniciativa privada.

A força necessária para o governo de Michel Temer aprovar a reforma da Previdênci­a pode estar justamente na decisão de não ceder às pressões de algumas categorias do funcionali­smo. Ao atuar assim, o que muitos qualificam de impopular reforma da Previdênci­a pode-se transforma­r na mais popular das reformas. Afinal, a existência de castas no regime previdenci­ário é uma excrescênc­ia que desfigura não apenas a identidade do Estado de Direito. Ela fere o sentido de igualdade tão profundame­nte presente na consciênci­a do brasileiro.

 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil