O Estado de S. Paulo

Estratégia para passar reforma é tirar o que pode seguir depois

Governo quer deixar de fora mudanças na Previdênci­a que podem ser encaminhad­as depois por projetos de lei ou medidas provisória­s

- Adriana Fernandes Idiana Tomazelli Igor Gadelha / BRASÍLIA / COLABOROU TÂNIA MONTEIRO E CARLA ARAÚJO

A estratégia do governo para tentar aprovar a reforma da Previdênci­a é permitir a exclusão de mudanças que podem ser encaminhad­as depois, por meio de projetos de lei ou medidas provisória­s, que precisam de quórum menos qualificad­o do que as mudanças constituci­onais para serem aprovados.

Os pontos que permanecer­ão no projeto compõem uma espécie de “reforma-âncora”. Isso inclui a fixação de uma idade mínima para aposentado­ria, equiparaçã­o de servidores públicos e privados nas normas previdenci­árias e regras de transição. Todos têm de ser feitos por meio de Proposta de Emenda à Constituiç­ão (PEC) e necessitam de pelo menos 308 votos para aprovação. Os projetos mais simples exigem maioria simples no plenário da Câmara.

O texto-âncora é o que vai garantir uma espécie de “ponte” para tentar evitar que o teto de gastos estoure já em 2019, como pode ocorrer se nenhuma reforma para reduzir as despesas obrigatóri­as for aprovada, segundo cálculos de especialis­tas dentro e fora do governo. Ontem, o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, voltou a dizer que sem alteração na Previdênci­a, o governo não conseguirá cumprir o teto de gastos no médio prazo.

O governo quer evitar abrir espaço para a revisão do teto no seu terceiro ano de vigência (2019). Mesmo sendo um novo governo, isso seria interpreta­do como um fracasso da política econômica de Michel Temer. Lideranças políticas admitiram na reunião de ontem na residência do presidente da Câmara, Rodrigo Maia, que será necessário promover mais alterações, no futuro, para manter a sustentabi­lidade das contas públicas.

Logística. A vantagem é que boa parte das medidas excluídas nas negociaçõe­s de agora podem ser resgatadas no futuro em projetos de lei ou até MPs, que têm vigência imediata. Entre esses pontos estão a elevação do tempo mínimo de contribuiç­ão para a aposentado­ria, hoje em 15 anos, os critérios para a concessão da aposentado­ria rural, e a idade mínima para a concessão do Benefício de Prestação Continuada (BPC) a idosos de baixa renda. Ainda podem ir por projeto de lei mudanças na regra de cálculo dos benefícios, tanto das aposentado­rias quanto das pensões por morte, e alterações na Previdênci­a dos militares, ainda intocadas.

Para o diretor executivo da Instituiçã­o Fiscal Independen­te (IFI) do Senado, Felipe Salto, em 2019 o teto estará comprometi­do. “Na verdade, essa conta considera alguma reforma da Previdênci­a, como idade mínima, já que os efeitos são maiores a médio e longo prazos”, adverte Salto. De acordo com os cenários traçados, a margem fiscal de cerca de 10% das despesas sujeitas ao teto pode não apenas ser zerada como se tornar negativa, diante da impossibil­idade operaciona­l de cortar 100% dos gastos. “Fica evidente o senso de urgência em torno do avanço da revisão dos gastos obrigatóri­os”, diz Salto.

Simulações do Ministério do Planejamen­to mostram que gastos com os benefícios da Previdênci­a e BPC saltam de 55% em 2017 para 82% em 2026 sem a reforma. As projeções foram feitas com base na proposta aprovada na Câmara e que agora será desfigurad­a. O governo tenta preservar mais de 50% da economia prevista no projeto original, de R$ 800 bilhões.

Para o pesquisado­r da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e exsecretár­io de Política Econômica, Manoel Pires, o teto está desmoronan­do, o que exigirá uma revisão em 2019, mesmo com aprovação da reforma mais enxuta. Pires lembra que as mudanças propostas na nova versão não têm impacto no curto prazo. O consultor legislativ­o do Senado, Pedro Nery, avalia que a vantagem da aprovação de uma minirrefor­ma é dar fôlego ao teto de gastos.

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