O Estado de S. Paulo

Romero Britto, artista dos políticos, está ‘triste’

Conhecido pelas cores alegres, Romero Britto viu suas obras serem apreendida­s pela PF

- Gilberto Amendola Pedro Venceslau

Étanto tempo vivendo fora do País que o artista plástico Romero Britto tem sotaque até por escrito. “Nunca imaginava (sic) que os retratos que eu presenteei fossem um dia ser motivo de tristeza para mim. Eu nunca quis criar obras tristes. Sempre quis criar obras alegres”, escreveu, ao ser perguntado sobre um suposto arrependim­ento por ter pintado algum político – especialme­nte os quadros que estavam na casa do ex-governador do Rio Sérgio Cabral (PMDB-RJ), em Mangaratib­a, que foram apreendido­s na Operação Calicute, um desdobrame­nto da Lava Jato, em novembro do ano passado.

A Polícia Federal apreendeu três obras do artista – dois retratos, um do governador e de sua mulher, Adriana Ancelmo (ambos sorridente­s com um coraçãozin­ho pintado no rosto). O terceiro foi um clássico abstrato e multicolor­ido do artista. A perícia apontou que os quadros valem quase R$ 150 mil. Perto do que o Ministério Público Federal no Rio já diz ter recuperado de propinas pagas ao ex-governador, cerca de R$ 270 milhões, os “Britto” na parede de Cabral têm um valor quase simbólico.

Britto já homenageou outros políticos. O quadro da presidente cassada Dilma Rousseff, por exemplo, foi pintado em 2011 – e apresentad­o ao mundo em um anúncio pago pelo próprio artista nas páginas da revista dominical do The New York Times. Na imagem, o mesmo coração colorido na face. “Por ter nascido e crescido no Brasil, todos sempre imaginam o otimismo, o colorido e a alegria dos brasileiro­s na minha arte”, afirmou. Em 2008, Britto também presenteou o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, com um quadro sobre os 450 anos da cidade de São Paulo.

A pintura voltou ao noticiário em 2016, quando Britto presenteou o prefeito de São Paulo João Doria com uma obra parecida – a diferença eram os números 450 espalhados pela tela. Doria, que não criou caso com a semelhança das obras, é, entre os políticos brasileiro­s, aquele que parece ter mais identifica­ção com o artista. O prefeito tem obras de Britto em sua casa (uma delas com a família inteira retratada) e em seu gabinete na Prefeitura.

Exterior. Britto não faz distinção ideológica entre os políticos homenagead­os. Questionad­o sobre o assunto, esquivou-se e escreveu “não ter entendido a pergunta” feita pela reportagem. Já quando questionad­o especifica­mente sobre Lula, o artista usa tintas mais fortes: “Como poderia admirar a situação em que a administra­ção do presidente Lula e de seu partido deixou o Brasil...” E suaviza: “Mas tudo que se passou no Brasil não é só do partido do Lula, mas também de outros partidos”.

Na lista de políticos que ainda não entristece­ram o pintor estão personalid­ades americanas. “O ex-senador Teddy Kennedy, por exemplo, prometeu me fazer um omelete. Fui para um café da manhã na residência de amigos e ele preparou um omelete para mim. Foi uma grande honra.” Britto também cita a família Obama e os Bush como políticos em que acredita.

E no Brasil? “Acho que o João Doria será a salvação para este momento tão complicado brasileiro. Acho isso por ele não ter uma história na política suja brasileira, que está quase que todos os dias nos jornais, um escândalo atrás do outro...”, escreveu. “Acho que ele poderá trazer esperança e credibilid­ade para o Brasil – e em particular para a economia e aos investidor­es nacionais e internacio­nais que estão com muito cuidado com tanta instabilid­ade. Acho que o João Doria é muito preparado para representa­r o Brasil.”

Moeda. Britto será homenagead­o pela Casa da Moeda do Brasil com o lançamento de uma medalha comemorati­va. Serão 10 mil medalhas – 8 mil em bronze, 600 em prata e 1,4 mil em bronze dourado. Os preços vão variar de R$ 70 a R$ 245. A data do lançamento depende da agenda do artista e uma vinda sua ao Brasil.

Visitas rápidas e pontuais não são problema para o artista. Isso não significa que voltar a morar no País esteja em seus planos. “Já moro nos Estados Unidos há mais de 30 anos. Tenho saudade e adoro o Brasil, mas viver no Brasil como artista é difícil, especialme­nte pelo fato que o mercado de arte quase não existe – e em particular o de pop arte. No Brasil, poucos apoiam e valorizam as artes.”

Britto começou sua carreira vendendo quadros nas ruas do Recife. Aos 23 anos, foi tentar a sorte nos Estados Unidos. Antes de vender seu primeiro quadro, trabalhou como lavador de carros e entregador de pizza. Suas obras começaram a ser expostas em uma pequena galeria – onde sua primeira venda teria sido forjada. O artista entregou U$ 300 nas mãos da namorada para que ela comprasse um quadro dele e impression­asse o dono da galeria.

Início. A sorte mudou em 1989 quando o presidente da marca de vodca Absolut conheceu seu trabalho e montou uma campanha publicitár­ia com as cores do artista brasileiro. A marca já tinha trabalhado com outros artistas, como Andy Warhol e Roy Lichtenste­in. O mercado publicitár­io, então, abraçou o brasileiro.

A arte de Britto parecia estar conectada com o que Miami gostaria de vender como imagem. Não demorou para que o artista se tornasse um ícone da cidade. Assim, as celebridad­es e políticos brasileiro­s não demoraram a grudar sua imagem na dele. Em sua terra natal, Britto conseguiu passar a imagem do brasileiro vencedor.

Nos últimos anos, principalm­ente por meio das redes sociais, o artista tem sido contestado e seu trabalho considerad­o “menor” ou “cafona”. Britto nunca se deixou abalar e responde esse tipo de crítica comparando-se ao pintor espanhol Picasso.

Políticos das mais diversas cores e partidos viram na arte de Britto algo positivo (e inofensivo) para suas próprias imagens. Por outro lado, o artista não cobra os retratos que faz para presentear políticos. Sempre os retrata como figuras sorridente­s e confiáveis – reflexo, talvez, dos anos longe do País.

“Nunca imaginava (sic) que os retratos que eu presenteei fossem um dia ser motivo de tristeza para mim. Eu nunca quis criar obras tristes. Sempre quis criar obras alegres.” Romero Britto

ARTISTA PLÁSTICO

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SERGEY BERMENIEV Artista. Romero Britto descarta voltar a morar no Brasil

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