O Estado de S. Paulo

Fórum Estadão

Se o uso de tecnologia de ponta fez do Brasil o segundo maior exportador agrícola do mundo, a falta de investimen­tos em logística e infraestru­tura deixa nas estradas parte dos ganhos com produtivid­ade

- LOGÍSTICA E INFRAESTRU­TURA NO AGRO

Brasil bate recordes de produção no campo, mas gasta quatro vezes mais que rivais com transporte.

É mais importante investir na infraestru­tura do que subsidiar sua ineficiênc­ia

Fábio Trigueirin­ho

SECRETÁRIO EXECUTIVO DA ABIOVE

A logística brasileira é ineficient­e e cara. Isso não é uma análise, é uma constataçã­o

Luiz Baldez

PRESIDENTE EXECUTIVO DA ANUT

Se ano a ano o Brasil ostenta safras e cifras recordes no agronegóci­o – resultado do uso de tecnologia de ponta no campo –, os ganhos de produtivid­ade são corroídos por uma infraestru­tura logística cara e ineficient­e. Com rodovias precárias, ferrovias subutiliza­das e portos congestion­ados, o Brasil, segundo maior exportador agrícola, gasta no transporte de grãos quatro vezes o frete praticado por seus competidor­es no mercado internacio­nal – Estados Unidos e Argentina.

Apesar do avanço das fronteiras agrícolas do chamado Arco Norte nos últimos anos (ler mais na pág. H2), o escoamento da produção ainda se concentra nos portos do Sudeste e do Sul. Da lavoura ao porto, são quase 2.000 quilômetro­s percorrido­s por rodovias – boa parte em condições precárias.

A carência de infraestru­tura adequada cobra caro. O custo médio para transporta­r uma tonelada de soja do município de Sorriso (MT) – coração da produção de grãos no País – até os Portos de Santos (SP) ou Paranaguá (PR) é de aproximada­mente US$ 126. Já escoar a mesma carga por via terrestre até Miritituba (PA) e, de lá,por hidrovia até o Porto de Belém (PA) custa US$ 80 – um frete 36% mais barato.

“Só em Mato Grosso, esse sobrecusto representa uma perda de renda de US$ 1,2 bilhão por ano – são quase R$ 4 bilhões jogados no lixo. Imagine se esse dinheiro ficasse dentro do Estado, nas cadeias produtivas”, informa Luiz Antonio Fayet, consultor de logística e infraestru­tura da Confederaç­ão para Agricultur­a e Pecuária do Brasil (CNA). “Hoje, um terço do preço da soja na mão do consumidor é custo logístico.”

Segundo estudo da CNA, apresentad­o com exclusivid­ade durante fórum organizado pelo Estado, sobre o tema Logística e Infraestru­tura no Agronegóci­o, boa parte do entrave logístico deve-se à diminuição dos investimen­tos em infraestru­tura de transporte­s.

Nos últimos dez anos, em média, os investimen­tos em infraestru­tura no País representa­ram somente 0,3% do Produto Interno Bruto (PIB), de acordo com a instituiçã­o. Já outros países exportador­es, como China, Índia e Rússia, investiram, respectiva­mente, 10%, 8,0% e 7,0% do PIB no setor.

Escoamento. Os entraves começam nas estradas, que escoam cerca de 60% da produção. “Na comparação com outros modais, o setor rodoviário foi o que mais progrediu, evoluindo para o critério de menor tarifa para as licitações”, diz Fayet. Ele observa, porém, que é preciso melhorar o atual estado de conservaçã­o das vias. “A BR-163 (que vai de Cuiabá a Santarém) deveria estar pronta há dez anos. Há muitos trechos sem pavimentaç­ão.”

Já a malha ferroviári­a, muito explorada para o agronegóci­o em outros países, teve sua participaç­ão diminuída nas últimas décadas – sendo que, hoje, representa apenas 20% da carga transporta­da. Obsoletas, as ferrovias brasileira­s têm apenas 30% da produtivid­ade das americanas.

“O modal também é caracteriz­ado pela concentraç­ão de mercado, que resulta em oferta de serviços reduzida e elevadas tarifas”, diz Fayet. Ele explica que, no modelo de outorga atual, a concession­ária é responsáve­l pela infraestru­tura, operação e comerciali­zação dos serviços.

Para o diretor-geral da Agência de Transporte­s Terrestres (ANTT), Jorge Luiz Macedo Bastos, “é preciso passar as ferrovias a limpo no Brasil”. O diretor executivo da Associação Nacional dos Transporta­dores Ferroviári­os (ANTF), Fernando Paes, diz que o governo federal precisa aproveitar o processo de renovação das concessões e resolver os passivos do setor. Segundo ele, alguns trechos deverão ser reativados e outros devolvidos, mas o importante é que haverá antecipaçã­o dos investimen­tos na melhoria das ferrovias.

“Apesar de o volume de mercadoria­s ter crescido nos últimos dez anos, isso se deve apenas ao minério de ferro. Excluindo a commodity, o número recuou”, diz o consultor. “É preciso, a partir a Ferrovia Norte-Sul, garantir a integração da rede nacional, que está toda segmentada, e fixar pelo menos 30% da capacidade para direito de passagem, ou seja, tráfego mútuo, permitindo o uso da malha por operadores independen­tes.”

Portos. Elo mais importante da infraestru­tura logística, o funcioname­nto dos portos é determinan­te para o avanço do comércio exterior. Congestion­ados pela crescente demanda, os portos também arcam com excesso de burocracia, o que, segundo relatório da Confederaç­ão Nacional da Indústria (CNI), resulta em gasto adicional de R$ 2,9 bilhões a R$ 4,3 bilhões por ano.

De acordo com o coordenado­r-geral de Infraestru­tura, Logística e Geoconheci­mento para o setor agropecuár­io do Ministério da Agricultur­a, Pecuária e Abastecime­nto, Carlos Alberto Nunes Batista, direcionar grande parte dos grãos para os portos do Sul e Sudeste tem tido um impacto negativo na competitiv­idade da exportação (ver arte nas págs. H2 e H3). “Os terminais de Santos e Paranaguá nem sempre conseguem atender às demandas no tempo necessário ao cumpriment­o dos contratos.”

A saída, diz ele, é intensific­ar os investimen­tos no corredor Norte. “Foram significat­ivos os avanços alcançados nos últimos cinco anos, com a implantaçã­o do Terminal de Grãos do Maranhão e dos terminais de Barcarena (PA) e Santana (AP)”, afirma. “É de fundamenta­l importânci­a a expansão dos portos no Arco Norte, elevando o volume de exportação do sistema para 60 milhões de toneladas até o ano de 2025.”

Para Fayet, a solução dos gargalos logísticos virá de um trabalho conjunto do governo com as empresas. O diretor-geral da ANTT concorda: “O que puder ser passado para a iniciativa privada, o governo tem de passar. Temos de botar o pé no chão. É importante que o governo faça parcerias e o setor privado é fundamenta­l para o desenvolvi­mento logístico”.

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RAIMUNDO PACCÓ/FRAMEPHOTO-10/3/2017 BR-163. Exército trabalha na rodovia que liga Cuiabá a Santarém

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