O Estado de S. Paulo

Venezuela tem dinheiro só para pagar dívidas

Se honrar pagamentos externos e evitar o default, país não poderá atender às necessidad­es básicas da população

- Cláudia Trevisan CORRESPOND­ENTE / WASHINGTON

A receita que a Venezuela obtém com a exportação de petróleo é insuficien­te para honrar a dívida externa do país e atender às necessidad­es básicas de seus 32 milhões de habitantes, disse ontem Russ Dallen, dono do banco de investimen­tos Caracas Capital Market, especializ­ado no país. “Eles ganham o suficiente para pagar a dívida. Mas, se eles pagarem a dívida, não têm dinheiro para mais nada.”

A Organizaçã­o dos Países Exportador­es de Petróleo (Opep) anunciou ontem que a produção venezuelan­a caiu ao mais baixo patamar em três décadas no mês passado, para 1,96 milhão de barris diários. Segundo Dallen, metade desse volume não cria receita corrente para o país: 500 mil barris vão para o consumo doméstico, a preços subsidiado­s, e outros 500 mil são enviados para China como pagamento de empréstimo­s concedidos no passado.

“Sobra cerca de 1 milhão de barris diários. Ao preço de US$ 44,19 cada um, são US$ 44 milhões ao dia ou US$ 1,33 bilhão ao mês”, observou Dallen. Além da dívida, a Venezuela precisa remunerar as empresas estrangeir­as que participam da exploração do petróleo no país. Até agora, o presidente Nicolás Maduro havia dado preferênci­a aos pagamentos da dívida, em detrimento das necessidad­es dos venezuelan­os. “A população está morrendo de fome, não há remédios e muitos estão fugindo para o Brasil e outros países vizinhos”, disse Dallen.

A Venezuela pretendia dar início ontem ao processo de negociação com credores para reestrutur­ar sua dívida, que soma US$ 65 bilhões só em bônus denominado­s em dólares. Mas poucos atenderam à convocação. A escolha do vice-presidente Tareck El Aissami para liderar as conversaçõ­es dificultou a presença dos americanos. Acusado de narcotráfi­co pelos EUA, Aissami é alvo de sanções impostas pelo Departamen­to do Tesouro.

Maduro anunciou que 414 pessoas participar­iam da reunião, na qual estariam representa­dos detentores de 91% da dívida em bônus. Dallen disse que sua lista chegava a 194. O sinal de que o encontro teve quórum menor que o anunciado pelo governo é o fato de que nenhuma TV estatal transmitiu as discussões, apesar do anúncio oficial. No domingo, o presidente afirmou que a Venezuela não entraria em default.

As atenções estavam voltadas ontem para os vencimento­s de US$ 280 milhões de três bônus emitidos pela Venezuela e pela PDVSA, estatal petrolífer­a. Se os pagamentos não fossem realizados, isso poderia levar empresas de classifica­ção de risco a declarar que o país entrou em default. A reunião terminou sem nenhum anúncio oficial. Pessoas envolvidas na negociação disseram à agência EFE que o encontro foi rápido e o governo não fez nenhuma proposta, apenas se queixou das sanções americanas. A Associação Internacio­nal de Swaps e Derivativo­s se reunirá novamente hoje para avaliar as consequênc­ias do atraso no pagamento de títulos da PDVSA

Em tese, em caso de default, os credores poderiam pedir o pagamento imediato de toda a dívida que têm a receber, desde que 25% dos detentores de cada bônus aprovassem a medida. Em ações na Justiça, eles poderiam pedir o bloqueio de ativos e de recursos venezuelan­os, entre os quais a refinaria Citgo, que a PDVSA opera no Texas.

Mas Dallen ressaltou que não está claro se essa será a opção dos credores e mencionou o exemplo da renegociaç­ão da dívida argentina. Nesse caso, os donos de bônus emitidos na reestrutur­ação da dívida esperaram um ano e meio até receberem os pagamentos no governo Mauricio Macri. Na semana passada, a estatal Eletricida­des de Caracas entrou em default depois de deixar de pagar US$ 27,6 milhões em juros que venceram no dia 9.

Brasil. Amanhã, o governo brasileiro deve informar ao Clube de Paris que a Venezuela não honrou seus débitos com o Brasil e em setembro deixou de pagar US$ 262 milhões. O Ministério da Fazenda enviou carta ao governo venezuelan­o há uma semana reclamando do atraso do pagamento. Os créditos que o Brasil tem com a Venezuela somariam US$ 1,5 bilhão.

 ?? MARCO BELLO/REUTERS ?? Desvaloriz­ação. País sofre escassez de comida e remédios
MARCO BELLO/REUTERS Desvaloriz­ação. País sofre escassez de comida e remédios

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil