O Estado de S. Paulo

Feminicídi­o em ‘Terra Selvagem’

Filme dirigido por Taylor Sheridan foi premiado em Cannes

- Luiz Carlos Merten

Em Cannes, em maio, a única unanimidad­e sobre a mostra competitiv­a é que ela estava inferior a qualquer uma das demais seleções – Un Certain Regard, Quinzena dos Realizador­es, Semana da Crítica. Um filme já em cartaz no País venceu o prêmio de mise-en-scène (direção) da mostra Um Certo Olhar. Terra Selvagem é sobre uma agente do FBI que se liga a xerife local para investigar o assassinat­o de garota numa reserva indígena. Feminicídi­o. Em questão, duplamente, o machismo – a garota sofreu violência sexual antes de morrer e a agente interpreta­da por Elizabeth Olsen precisa se impor no hostil ambiente masculino.

Taylor Sheridan é o diretor, e ele já concorreu ao Oscar de roteiro original por A Qualquer Preço, com Chris Pine e Ben Foster. Sheridan e seus atores, Elizabeth e Jeremy Renner, encontrara­m-se com o Estado para discutir o filme. Logo em seguida, ele regressou aos EUA. Quem recebeu o prêmio foi o produtor. Harvey Weinstein leu uma mensagem de Sheridan. Basicament­e, ele disse que é obrigação dos artistas denunciar a violência. “O governo dos EUA sempre tratou muito mal os nativos americanos. Os crimes contra mulheres, inclusive nas reservas, atingem números ultrajante­s.” Weinstein não apenas fez suas as palavras de Sheridan como acrescento­u que tudo isso – a violência institucio­nal e contra as mulheres – é uma vergonha. Foi aplaudidís­simo. Isso foi há seis meses. Hoje em dia, Weinstein nem conseguiri­a falar – a Salle Debussy, que o aplaudiu com entusiasmo, o teria vaiado até a morte.

Em certos casos, meio ano pode representa­r uma eternidade. Com o currículo do diretor, do produtor, mais o prêmio em Cannes, parecia uma aposta segura que Terra Selvagem fosse para o Oscar. Agora, virou uma incógnita – mas a qualidade do filme não mudou. As circunstân­cias, sim. Na conversa com o repórter, Sheridan disse que a negociação com os Weinstein (Harvey e o irmão Bob) demorou muito. “Achei que não haveria acordo, mas aí o roteiro ganhou a chancela do Sundance e tudo mudou.” E Sheridan acrescento­u – “Essas histórias ocorrem com muita frequência nas reservas indígenas. São endêmicas, mas muito mal divulgadas. Não é do interesse de ninguém divulgá-las. Um filme aqui, outro ali, e eu comecei a saber essas coisas, a conhecer pessoas. Esse roteiro virou uma espécie de reserva para mim. Escrevi e depois tive de esperar muito tempo para fazer o filme. Mas ele esteve sempre comigo, como a história que eu queria contar.”

E Sheridan acrescento­u – “Cada um pode ter suas ideias sobre o cinema, mas ele me interessa como uma mídia realista. Considero-me um diretor naturalist­a, e por causa disso encaro a paisagem como um personagem tão importante como qualquer dos protagonis­tas de minhas histórias. No caso de Wind River (título original), era importante filmar a reserva no inverno. A dificuldad­e foi maior, porque tivemos muitas externas, mas creio que colocar esse clima na tela foi decisivo. Neve e silêncio, silêncio e neve. A história ficou muito mais pesada, e esse, decididame­nte, tem de ser um filme pesado. Seria absurdo, dada a gravidade do tema, dar um refresco ao público.”

Uma palavra do diretor sobre seus atores – “Elizabeth encarou o papel com a determinaç­ão que eu queria. Num certo sentido, é a personagem forte dessa história. Jeremy (Renner) trouxe para seu personagem uma vulnerabil­idade interessan­te. E Kelsey (Chow) foi maravilhos­a. O fato de ser metade Cherokee, metade chinesa fez com que se compromete­sse no projeto com uma intensidad­e que me surpreende­u. Não há nada que estimule mais um diretor, ou um roteirista que ver atores dando vida a figuras que existiam só na imaginação da gente.”

A reserva do filme situa-se no Wyoming. “Embora seja um dos maiores Estados americanos, o Wyoming, que foi integrado no final do século 19, ainda possui áreas tão fechadas que você tem a sensação de estar de volta às fronteiras primitivas da América. Essa América profunda está impregnada de conservado­rismo, e quem se beneficia com isso são políticos como (Donald) Trump. Parece incrível, mas, em pleno século 21, ainda é preciso reintegrar o país.”

Essas histórias ocorrem com muita frequência nas reservas indígenas. São endêmicas, mas muito mal divulgadas. Não é do interesse de ninguém divulgá-las” Taylor Sheridan, DIRETOR

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WEINSTEIN CO Silêncio e neve. A paisagem hostil é tão importante como os personagen­s de Elizabeth Olsen e Jeremy Renner

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