O Estado de S. Paulo

‘Yes, nós temos bananas...’

- ROBERTA MARTINELLI E-MAIL: ROBERTA.MARTINELLI@ESTADAO.COM

Hoje, eu peço licença. Essa é uma coluna musical, mas hoje eu falarei de teatro. Escrevo sempre sobre música, mas é falando de música que falo de tantas outras coisas. Escrever sobre música me traz questões sobre a nossa cidade, afetos, emoções, problemas, soluções. Enfrento aqui um país que não está nada fácil e, como ocupo um lugar de resistênci­a (ou pelo menos tento), passo a semana pensando qual a melhor maneira de aproveitar essas linhas no jornal e isso, às vezes, é enlouquece­dor e muitas vezes é enriqueced­or. Mas hoje quero falar de O Rei da Vela, texto de Oswald Andrade remontado pelo Teatro Oficina e em cartaz em São Paulo, no Sesc Pinheiros. Falarei da peça, para falar de mais...

ABELARDO I

Lembro da primeira vez que li O Rei da Vela – tinha 18 anos, era uma jovem estudante de teatro. Meu professor de Teatro Brasileiro, o amado Alexandre Mate, pediu para que escolhêsse­mos uma frase que nos marcasse durante a leitura. Eu escolhi uma, escolhi mesmo! Assisto essa frase se repetir muito, ela é escrota e só caberia na boca de Abelardo I: “O dinheiro só é útil nas mãos dos que não têm talento. Vocês: escritores, artistas, precisam ser mantidos pela sociedade na mais dura e permanente miséria para servirem como bons lacaios obedientes e prestimoso­s. É a vossa função social”. Domingo, eu ouvi essa frase na boca do Abelardo I de Renato Borghi. Foi a primeira vez que ouvi no teatro. Essa frase diz muito sobre a tentativa de marginaliz­ar a arte que vivemos hoje (só hoje?), sobre os poucos recursos para criação, sobre a batalha que é ser artista no Brasil. Eu disse que essa frase só caberia na boca de Abelardo. Mas, vale lembrar que, assim como Heloísa, sempre teremos um Abelardo.

No fim do espetáculo, nos agradecime­ntos, Zé Celso anunciou: “Agora, começa o quarto ato”. Era uma brincadeir­a, mas a peça continuou, talvez por estar tão atual. A primeira cena do quarto ato foi a subida de Fernanda Montenegro ao palco, emocionada “Ver o Borghi 50 anos depois... É uma glória eu ter visto há 50 anos aquele espetáculo e hoje estar aqui. Essa obra está, hoje, definitiva­mente mais importante, é uma hora em que a gente precisa deste espetáculo como em nenhuma outra época da nossa vida nestes 100 anos”. Precisamos porque o Teatro Oficina está ameaçado; precisamos porque São Paulo está ameaçada; precisamos muito porque o Brasil está ameaçado. Fica, Oficina!

TORQUATEAN­DO

Semana passada, aconteceu a 12° edição da Balada Literária homenagean­do o compositor, escritor, poeta Torquato Neto e, lendo suas colunas no jornal Última Hora, me deparei com esse trecho, que é perfeito para essa coluna, hoje, aqui e agora: “E agora? Eu não conheço uma resposta melhor do que esta: vamos continuar. E a primeira providênci­a continua sendo a mesma de sempre: conquistar espaço, tomar espaço, ocupar espaço. Inventar os filmes, fornecer argumentos para os senhores historiado­res que ainda vão pintar, mais tarde, depois que a vida não se extinga. Aqui, como em toda parte: agora”.

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ROBERTA MARTINELLI/ESTADÃO Fernanda. Com Borghi e Zé
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