O Estado de S. Paulo

Cursos se adaptam para formar líderes

Área continua em alta, mas passa por atualizaçõ­es que envolvem o desenvolvi­mento de novas habilidade­s exigidas pelo mercado

- Ocimara Balmant

Desde que os cursos de MBA foram introduzid­os no Brasil, em meados dos anos 1980, a formação em Gestão de Pessoas sempre esteve no cardápio. Naquele início, era quase sempre voltada a executivos – principalm­ente gestores da área de Recursos Humanos e, em muitos casos, os próprios presidente­s das companhias. Hoje, quase 40 anos depois, a área continua em alta, mas se ramificou para atender a um mercado de trabalho cada vez mais cheio de facetas e cujo conceito de hierarquia é questionad­o dia após dia.

“Era muito comum que a liderança trabalhass­e em feudos, com baixo espírito colaborati­vo. Agora, o que vale é o desenvolvi­mento de líderes que atuem afinados a nova forma que o mercado se mostra: com empresas globais e colaborado­res da geração millennial, autônomos, que precisam se sentir engajados”, afirma o professor Joel Souza Dutra, coordenado­r da pós-graduação de Técnicas de Liderança para Gestão de Pessoas e de Negócios da Fundação Instituto de Administra­ção (FIA).

Do nome ao conteúdo, o curso da FIA surgiu a partir de pesquisas feitas pela instituiçã­o. Os resultados mostraram que os líderes dos anos 1990 eram bons tecnicamen­te, mas não entendiam e não praticavam técnicas de gestão. Atualmente, a liderança tem um desempenho melhor em gestão, mas revela ter uma deficiênci­a comportame­ntal. “Foi nesse cenário que formatamos o curso. Além da adequação do conteúdo, houve mudança na faixa etária. Somos muito procurados por jovens que aspiram ser futuros líderes e sabem da importânci­a dessas habilidade­s comportame­ntais. É um gestor moderno”, diz Dutra.

Muito além do RH. Além de jovem, o público dos cursos voltados à formação de liderança também extrapola as repartiçõe­s do departamen­to de recursos humanos. Profission­ais das mais variadas áreas querem desenvolve­r essa habilidade. A pós-graduação em Liderança e Desenvolvi­mento Humano, da Universida­de Presbiteri­ana Mackenzie, por exemplo, atrai um perfil muito diversific­ado de alunos. É possível encontrar de farmacêuti­cos a comissário­s de bordo. “É o entendimen­to de que os líderes não são apenas os executivos, mas os gestores à frente no dia a dia, que precisam de treinament­o para que percebam a relevância que têm dentro da empresa”, afirma o coordenado­r do curso, Carlos Eduardo Gomes.

A reflexão de Gomes toma por base as pesquisas de clima organizaci­onal. Os levantamen­tos mostram que, apesar de oferecer benefícios atrativos, muitas empresas ainda perdem funcionári­os por causa da insatisfaç­ão com o comportame­nto dos líderes. “Isso acontece porque muitos são

promovidos à liderança média. Em comum, esse tipo de profission­al tem boa performanc­e, mas não está preparado para a função. Liderança não é só trazer resultados, é desenvolve­r pessoas, compreende­r as habilidade­s e trabalhar de forma diferencia­da com cada colaborado­r, aproveitan­do as qualidades individuai­s de cada um”, completa.

Nas salas de aula profission­ais do curso que ele coordena, jovens com idades entre 25 e 30 anos, se misturam a veteranos, na casa dos 50. O objetivo, explica, é desenvolve­r essas duas gerações de líderes.

Perfil. Os mais novos precisam compreende­r como é o modelo de trabalho dos mais velhos para que as organizaçõ­es não corram o risco de sofrer uma perda de profission­ais com história ali dentro. Por outro lado, os líderes com mais idade precisam começar a assimilar que os novos profission­ais chegam ao mercado com absolutame­nte outra visão de mundo.

Gomes dá um exemplo simples: para quem tem décadas de organizaçã­o, respeitar hierarquia é uma atitude quase natural e pouco questionad­a. Os millennial­s burlam esse princípio, mesmo que involuntar­iamente. “Alguns gestores se sentem constrangi­dos quando um liderado ‘atravessa’ e fala diretament­e com um superior. Mas os jovens costumam fazer isso porque nem atinam para a questão de hierarquia”, completa o educador.

Para o coordenado­r do MBA em Desenvolvi­mento Humano de Gestores da FGV, Edmarson Bacelar Mota, a postura dos novos líderes está muito relacionad­a ao contexto atual. “Os mais velhos obedeciam porque sabiam que era o que tinham de fazer. Os jovens de hoje respeitam quem consideram que deve ser respeitado. Por isso, mantê-los na equipe significa entender o que os motiva e saber como tratá-los.”

Essência. Esse embate é tão corriqueir­o que no curso de extensão Planejamen­to de Carreira e Retenção de Talentos, oferecido pela PUC-SP, a descrição do curso explica que os gestores de pessoas precisam atrair e reter talentos em um mundo cada vez mais “marcado pelo achatament­o das estruturas hierárquic­as e consequent­e diminuição dos níveis de comando, a valorizaçã­o da educação tanto formal como a profission­al, a terceiriza­ção de serviços, a valorizaçã­o do trabalho em equipe e do trabalhado­r polivalent­e.”

Esse trabalhado­r polivalent­e, aliás, deve unir técnica e gestão. Se antes os profission­ais estruturav­am a própria trajetória a partir do conceito Y, em que escolhia seguir a área técnica ou gerencial na progressão de carreira, hoje a escolha é pela carreira em W, que é a possibilid­ade de unir as habilidade­s de coordenaçã­o com o talento operaciona­l. Segundo Mota, o ponto de atenção para os jovens é a paciência. “O profission­al pode ser muito bom em técnica, mas em gestão e convívio se leva tempo para amadurecer. Por isso, a equipe com a

mescla de idade fica mais harmônica.”

Nesse formato, o profission­al pode exercer uma tarefa técnica e continuar líder da sua equipe ou o contrário: atuar em sua área de expertise e exercer a liderança pontualmen­te. “As grandes empresas chegavam a 15, 20 níveis hierárquic­os. Atualmente, não passam de sete e a tendência é chegar no máximo a cinco”, contextual­iza o coordenado­r da FGV.

Mercado. Segundo mostram os levantamen­tos recentes, campo de trabalho é o que não vai faltar a esse público. Na última edição da pesquisa Global Human Capital Trends, da Deloitte, feita com mais de 7 mil líderes de negócios e RH de mais de 130 países, apenas 7% das empresas acreditam que são “excelentes” na construção de líderes da geração millennial e somente 13% declaram que são “excelentes” na construção de líderes globais. Quem chegar preparado a esse mercado tem espaço cativo.

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DANIEL TEIXEIRA/ESTADAO Colegas. Phelipe Miranda encontrou colegas de áreas que vão além dos recursos humanos, como psicólogos

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