O Estado de S. Paulo

Intercâmbi­os caem até 99% sem programa do governo

Encerramen­to do programa federal em julho de 2016 fez despencar o número de alunos enviados por universida­des públicas para estudar no exterior. MEC diz que bolsas eram onerosas e pouco eficientes e planeja auxílio para ensino médio e pós-graduação

- Luiz Fernando Toledo Isabela Palhares Filipe Strazzer ESPECIAL PARA O ESTADO

O número de intercâmbi­os entre alunos de graduação das universida­des públicas brasileira­s caiu até 99% com o fim do programa Ciência sem Fronteiras, do governo federal, no ano passado. Além da perda de experiênci­a acadêmica para os estudantes, dizem especialis­tas, há um prejuízo para a formação científica no Brasil. O Ministério da Educação informou que vai elaborar um estudo para viabilizar o envio de alunos do ensino médio para estudar no exterior.

O número de intercâmbi­os entre alunos de graduação das universida­des públicas brasileira­s despencou com o fim do programa Ciência sem Fronteiras, do governo federal. Sem a ajuda do Ministério da Educação desde julho de 2016 e em meio à crise econômica, as instituiçõ­es de ensino federais e estaduais reduziram em até 99% o número de alunos enviados ao exterior até o ano passado. Para especialis­tas, esse dado representa não só uma perda de experiênci­a acadêmica para os estudantes, mas também um prejuízo para a formação científica no País.

O Estado analisou dados de 17 instituiçõ­es de ensino superior público – 30 universida­des de todas as regiões do País foram procuradas pela reportagem, mas nem todas respondera­m. Entre as instituiçõ­es analisadas estão as três estaduais paulistas, Universida­de de São Paulo (USP), Universida­de Estadual Paulista (Unesp) e Universida­de Estadual de Campinas (Unicamp), além de outras 14 federais, de um total de 64. Todos os documentos foram obtidos por meio da Lei de Acesso à Informação enviados por cada uma das instituiçõ­es.

Um dos casos mais dramáticos está na Universida­de Federal do ABC, do Estado de São Paulo, onde só três bolsas foram concedidas no ano passado, ante 551 em 2014, auge do Ciência sem Fronteiras – uma queda de 99,4%. A universida­de diz que, sem o respaldo do governo federal,

viabilizar intercâmbi­o tem sido “um desafio”, mas que tem buscado aumentar a quantidade de convênios internacio­nais ao longo dos anos – atualmente há 18, em 10 países diferentes, segundo a instituiçã­o.

Sonho. Aluno de Engenharia de Gestão na UFABC, João Coelho, de 22 anos, ingressou na universida­de em 2014 com o sonho de estudar no exterior. “Víamos muita gente indo e, logo que entrei, comecei a participar dos processos de preparação”, conta. Coelho chegou até a prestar o TOEFL, exame de proficiênc­ia de língua inglesa cuja inscrição custou cerca de R$ 800. “Nesse tempo de preparação acabou tendo o corte e o sonho ficou para trás”, diz o estudante, que pretendia ir a Dublin,

na Irlanda, em 2016.

Para ele, o fim do programa não é apenas uma perda para os alunos, mas também para o País. “Quem viaja traz muita coisa para que possamos aplicar aqui, desenvolve­r a ciência e a tecnologia no Brasil.”

Perdas e ganhos. Desde a sua criação, em 2011, o Ciência sem Fronteiras dividiu a opinião de especialis­tas. O programa era alvo de críticas pela falta de acompanham­ento acadêmico aos estudantes e por ter pouco impacto científico, mas também era visto como uma oportunida­de de compartilh­ar conhecimen­to, contribuir para o repertório científico do País e enriquecer o sistema educaciona­l.

“O Ciência sem Fronteiras é uma faca de dois gumes. Por um lado, o Brasil apareceu pela primeira vez no cenário internacio­nal. Por outro, teve um custo altíssimo, entre R$ 12 bilhões e R$ 15 bilhões e, até hoje, não se sabe exatamente qual foi o objetivo do programa”, diz o especialis­ta em internacio­nalização do ensino superior Leandro Tessler, da Unicamp. Para ele, é importante que as universida­des tenham algum tipo de oferta de internacio­nalização na graduação, mas com maior diálogo com os setores de cada uma delas e tentando trazer mais alunos estrangeir­os para o Brasil.

O alto custo do programa também foi um dos principais argumentos do Ministério da Educação para encerrá-lo. Quando anunciou seu fim, em julho de 2016, o ministro da Educação Mendonça Filho (DEM) afirmou que, em 2015, o programa custou R$ 3,7 bilhões, para atender 35 mil bolsistas (Mais informaçõe­s nesta página). De acordo com a pasta, esse mesmo valor foi usado para atender 39 milhões de alunos no programa federal de merenda escolar.

Para o vice-presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Carlos Roberto Cury, a redução das bolsas ofertadas para alunos de universida­des públicas é um desfecho “cruel” da crise econômica no País. “A ciência perdeu a circulação de cérebros, o compartilh­amento de conhecimen­tos e descoberta­s que havia com os intercâmbi­os. Porque os alunos da graduação se tornarão os futuros pesquisado­res, o prejuízo na formação deles impacta na ciência”, diz. Ele avalia, porém, que um dos problemas do programa foi na seleção dos alunos, que deveria ter ficado sob responsabi­lidade das universida­des.

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