O Estado de S. Paulo

A poluição atmosféric­a e como eliminá-la

- JOSÉ GOLDEMBERG PROFESSOR EMÉRITO DA USP, É PRESIDENTE DA FUNDAÇÃO DE AMPARO À PESQUISA DO ESTADO DE SÃO PAULO (FAPESP)

ARegião Metropolit­ana de São Paulo, com seus 20 milhões de habitantes e cobrindo uma área de 8 mil quilômetro­s quadrados, tem sido o objeto de uma experiênci­a única no mundo que não pode ser feita em laboratóri­os e trouxe grandes benefícios para a população. A introdução de carros flexfuel a partir de 2004 permitiu que variasse a fração de etanol na gasolina quando a produção do álcool aumentava e seu preço baixasse.

Hoje a fração de etanol na gasolina é de cerca de 27% e muitos carros usam etanol puro (anidro). Já houve ocasiões em que o etanol substituiu cerca de 50% da gasolina no País.

A qualidade do ar, ao longo de décadas, é medida pela Companhia Estadual de Tecnologia do Estado de São Paulo (Cetesb). Pesquisado­res do Instituto de Física e de Astronomia e Ciências Atmosféric­as da USP analisaram os dados da Cetesb e verificara­m que de 1988 a 2015 os carros que circulam por São Paulo passaram a emitir 20 vezes menos monóxido de carbono (CO), óxidos de nitrogênio (NOx) e material particulad­o e 40 vezes menos hidrocarbo­netos (HC). Já as emissões dos mesmos poluentes por veículos pesados (caminhões e ônibus), para os quais a regulament­ação surgiu mais tarde, caíram três vezes.

O componente da poluição que mais preocupa os especialis­tas – por representa­r maior risco para a saúde humana – é o chamado material particulad­o, uma mistura de partículas sólidas ou líquidas muito pequenas. Elas são produzidas diretament­e pelos motores durante a queima do combustíve­l ou formadas na atmosfera a partir de certos gases. Quanto menores suas dimensões, mais tempo elas permanecem em suspensão no ar e maiores os potenciais efeitos danosos. Por serem tão pequenas, elas penetram facilmente no trato respiratór­io e ali se acumulam, podendo provocar inflamaçõe­s pulmonares, agravar doenças como a asma e até causar problemas em outros órgãos.

A principal razão de a qualidade do ar não ter melhorado ainda mais nos últimos anos é o aumento substancia­l do número de veículos na região, que saltou de 1 milhão em 2000 para quase 7 milhões em 2014. Com mais carros nas ruas, o volume de combustíve­l consumido cresceu 25%. Em menos de uma década passou de 5,5 bilhões de litros por ano, em 2007, para quase 7 bilhões em 2014.

A novidade que torna o estudo da poluição atmosféric­a em São Paulo interessan­te é a correlação entre a qualidade do ar e a variação do conteúdo de etanol na gasolina. Por exemplo, entre janeiro e maio de 2011 houve alta consideráv­el no preço do etanol e os motoristas de carros bicombustí­vel passaram a consumir mais gasolina do que álcool. Quando os preços do etanol voltaram a cair, o consumo de gasolina baixou e a concentraç­ão dessas partículas medida na atmosfera também diminuiu.

Dos principais poluentes avaliados pelos pesquisado­res da USP, só um não diminuiu de modo consistent­e: o ozônio, um poluente secundário, resultado de reações de compostos produzidos pelos motores com substância­s da atmosfera e a radiação solar. As emissões desse gás, que causa irritação nas vias respiratór­ias e aumenta o risco de infecções, baixaram até meados da década passada, mas em seguida voltaram a subir, embora não tenham atingido níveis tão elevados quanto os da metade dos anos 1990.

Não foi apenas a substituiç­ão de gasolina pelo álcool que reduziu a poluição atmosféric­a em São Paulo. Ajudaram também as normas do Proconve sobre a emissão de poluentes, bem como a migração das indústrias poluentes para fora da região metropolit­ana, o que ocorreu lentamente ao longo dos anos. Contudo a introdução de carros flexfuel a partir de 2004 – e consequent­emente o maior uso de etanol – foi essencial, sobretudo porque ele partiu do zero para valores elevados em poucos anos e durante esse período sofreu variações bruscas.

As lições aprendidas com a “experiênci­a” a céu aberto feita em São Paulo podem ser transferid­as para outras grandes cidades do mundo onde a poluição atmosféric­a seja um sério problema, como Beijing e até Paris.

Em Beijing, Nova Délhi ou Cidade do México a poluição urbana é intensa o tempo todo, nem se consegue ver os edifícios a uma distância de cem metros. Em Paris incidentes como esse se verificara­m em 2017.

Os governante­s da China perceberam claramente que garantir atmosfera urbana limpa não é um problema secundário, mas um problema de grande urgência, porque para a classe média ascendente das cidades a má qualidade do ar não é tolerável, além de ser um problema sério de saúde pública.

Só para dar um exemplo, estima-se que cerca de 3,5 mil pessoas morrem na cidade de São Paulo por ano por causa da poluição. Além disso, há as centenas de milhares de atendiment­os em hospitais, em especial quando se acontece uma inversão atmosféric­a em São Paulo e a poluição piora. É bem verdade que fumar também provoca esses problemas, mas fumar é uma decisão individual, que só alguns adotam. Sofrer com a poluição da atmosfera atinge a todos, não é um ato voluntário.

O governo chinês tem tomado medidas extraordin­árias que têm caráter emergencia­l, como proibir a circulação de automóveis em períodos de crise. O governo francês também fez isso e mais a longo prazo começa a discutir o abandono de motores do tipo usado nos automóveis, o que correspond­e a lançar fora “a água do banho junto com o bebe”. O problema não são os motores, mas os combustíve­is.

O exemplo de São Paulo, substituin­do gasolina (de onde se originam os poluentes) por etanol (que é um combustíve­l limpo), mostra a existência de uma outra solução, que foi testada e comprovada.

A adoção dessa solução em outros países, como China, Índia, México e França, deveria ser seriamente considerad­a pelos governante­s desses países.

As lições aprendidas em São Paulo podem ser transferid­as para outras grandes cidades

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