O Estado de S. Paulo

Trump, o mentiroso

-

Vinte anos atrás, os norte-americanos divertiam-se com as confusões causadas por um mentiroso contumaz nas telas dos cinemas. Era apenas o astro de uma comédia hollywoodi­ana de grande sucesso.

Hoje, de acordo com um levantamen­to feito pelo jornal The Washington Post, outro mentiroso, mais perigoso, ocupa a presidênci­a dos Estados Unidos.

Ao invés dos risos daqueles tempos menos carregados, o mentiroso de hoje provoca apreensão, não só em sua audiência doméstica, mas também na comunidade internacio­nal. Líder do chamado mundo livre – liderança que passa a ser fortemente contestada –, as suas mentiras e bravatas não apenas frustram um mundo em busca de harmonia e serenidade, como contribuem para inflamá-lo.

Desde a posse de Donald Trump, em 20 de janeiro deste ano, o The Washington Post passou a analisar, classifica­r e acompanhar todas as afirmações feitas pelo presidente, identifica­ndo e quantifica­ndo as mentiras que ele conta em seus pronunciam­entos e entrevista­s, assim como as que escreve no Twitter, a sua rede social preferida.

Até a terça-feira passada, o jornal, com base em uma rigorosa checagem de dados, contabiliz­ou 1.628 afirmações falsas ou distorcida­s feitas por Donald Trump. Como ele estava, no momento da contagem, há 298 dias no poder, o jornal calculou que o presidente dos Estados Unidos disse, em média, 5,5 mentiras por dia desde que passou a ocupar a Casa Branca. Nesse ritmo, calcula o jornal, Donald Trump chegará ao fim do ano tendo feito 1.999 afirmações falsas.

Em outubro, a média de mentiras contadas por Trump foi ainda maior. De acordo com a mesma apuração feita pela equipe do The Washington Post, o presidente disse por dia nove mentiras ou informaçõe­s distorcida­s, que a equipe de Trump chama cinicament­e de “fatos alternativ­os”. A ser mantida esta média, Donald Trump terminará 2017 tendo contado mais de 2 mil mentiras em pouco menos de um ano de governo.

Além do hábito de mentir para o povo norte-americano, um crime para o país que leva tão a sério a palavra empenhada por um homem a ponto de acreditar que ele dirá a verdade apenas por apor sua mão sobre a Bíblia, Donald Trump também gosta de reivindica­r para si decisões tomadas por outras pessoas. Por mais de 50 vezes, Trump alegou ser o responsáve­l por trazer para os Estados Unidos investimen­tos que já estavam previstos antes mesmo de sua posse. O mesmo ocorreu com os indicadore­s de aumento de postos de trabalho que o presidente diz ter criado, quando, na verdade, se tratava de vagas abertas antes de seu mandato presidenci­al começar.

Muito além do pitoresco, as mentiras contadas por Donald Trump poderão ter sérias consequênc­ias, não só para ele, mas para o futuro político dos Estados Unidos.

Na quarta-feira passada, um grupo de seis deputados do Partido Democrata ingressou com um novo pedido de julgamento político de Trump no Congresso, cuja consequênc­ia mais grave pode ser o seu impeachmen­t. Como os dois anteriores, este pedido também não deve prosperar, já que as próprias lideranças democratas não respaldara­m a iniciativa. “Um grande número de democratas acredita que este presidente deve sofrer um impeachmen­t. Mas fizemos a avaliação de que os fatos ainda não permitem tomar essa atitude”, disse Steny Hoyer, líder dos democratas.

Ainda que não prosperem, os pedidos de impeachmen­t contra Donald Trump, ao menos por ora, servem para minar ainda mais a sua credibilid­ade à frente da Casa Branca. Seja pelas mentiras que conta, seja pelo comportame­nto individual­ista que fez questão de adotar desde a campanha eleitoral do ano passado, o próprio presidente parece, involuntar­iamente, contribuir para isso.

O mentiroso do cinema, em dado momento, passou compulsiva­mente a dizer a verdade. Agora resta saber como o mentiroso da vida real irá se comportar.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil