Visão turva
Em meu último artigo neste espaço (O risco de estouro da bolha, 6/11/2017), abordei a questão dos altos preços dos ativos (ações, imóveis e títulos de crédito) no mercado internacional, a possibilidade crescente de ocorrência de uma correção abrupta dessas cotações e o impacto que isso teria no mundo e, em particular, na economia do Brasil. Os gatilhos para isso poderiam ser, por exemplo, redução além do previsto do crescimento da China, diminuição dos lucros corporativos, aumento de inadimplência no mercado de bônus ou no imobiliário, entre outros. Desde o início de novembro, as bolsas ao redor do mundo sofreram quedas moderadas, mas não desprezíveis, principalmente nos setores de mineração e petróleo. Seria precipitação assumir que já se trata de estouro de bolha, mas provavelmente os agentes de mercado já começam a perceber que podem ter ido longe demais em seu otimismo.
Outro risco vindo de fora seria um crescimento mais rápido que o esperado da inflação nos EUA, que levaria o Federal Reserve (o banco central norte-americano) a apertar a política monetária com maior intensidade e rapidez do que as previsões do mercado. Não há qualquer sinal de que isso esteja por ocorrer no curto prazo, principalmente pela inexistência de pressões salariais. Mas o fato é que a maior economia do mundo vem exibindo crescimento robusto e a taxa de desemprego (4,1%, na série com ajuste sazonal) está entre as mais baixas registradas nos últimos 20 anos. Portanto, uma “surpresa” inflacionária não seria tão surpreendente assim.
O que se pretende mostrar aqui é que a janela de oportunidade para a economia brasileira, criada pelos bons ventos externos, pode estar se fechando, antes de o País promover as reformas estruturais necessárias para aumentar a resiliência de sua economia a choques externos adversos. Ou seja, os estragos de eventual piora do cenário externo seriam potencializados no Brasil, dados nossos conhecidos problemas estruturais.
A recente retomada, ainda que moderada, da atividade econômica doméstica, com a consequente queda do desemprego, e o tombo da inflação, que permitiu expressiva redução da taxa básica de juro, têm turvado a visão de parte do mercado e, principalmente, de políticos quanto à calamitosa situação de nossas contas públicas. É compreensível que estes últimos resistam a aprovar medidas de ajuste fiscal às vésperas de ano eleitoral, principalmente a impopular reforma da Previdência, mas isso não os exime de responsabilidade pelos danos que essa omissão poderá causar ao País.
Adiar o ajuste fiscal brasileiro pode ter custos elevados demais para a sociedade se o ambiente externo piorar antes que as reformas sejam aprovadas. A crise voltaria com toda força. O leitor sabe bem o que isso significa: explosão da taxa de câmbio, fortes pressões inflacionárias, elevação dos juros nominais, redução do crescimento e aumento do desemprego.
Mesmo sem crise externa aguda, mas com o fim gradual da era de juros internacionais muito baixos, a não aprovação das reformas, principalmente a da Previdência, levará o Brasil, em poucos anos, de volta para a inflação alta e para a perda de dinamismo do crescimento. Nem sequer se pode descartar que a trajetória explosiva
Adiar o ajuste pode custar caro demais, se o ambiente externo piorar antes de aprovadas as reformas
da dívida pública empurre a economia do País para a situação conhecida pelos economistas como “dominância fiscal”, ou seja, quando a autoridade monetária perde a capacidade de controlar a inflação, cuja dinâmica passa a ser ditada pelo déficit público.
É a isso que pode nos levar o enorme poder, junto dos parlamentares, dos lobbies que defendem a manutenção dos privilégios, principalmente dos servidores públicos mais bem remunerados. Se esse cenário lúgubre se concretizar, o que parece provável sem a aprovação da reforma da Previdência, a culpa será dos equívocos do governo como um todo, mas principalmente dos políticos que não têm compromisso com o País e que usam seus mandatos apenas para defenderem seus interesses pessoais.
ECONOMISTA E DIRETOR-PRESIDENTE DA MCM CONSULTORES, FOI CONSULTOR DO BANCO MUNDIAL, SUBSECRETÁRIO DO TESOURO NACIONAL E CHEFE DA ASSESSORIA ECONÔMICA DO MINISTÉRIO DA FAZENDA