O Estado de S. Paulo

Visão turva

- CLAUDIO ADILSON GONÇALEZ

Em meu último artigo neste espaço (O risco de estouro da bolha, 6/11/2017), abordei a questão dos altos preços dos ativos (ações, imóveis e títulos de crédito) no mercado internacio­nal, a possibilid­ade crescente de ocorrência de uma correção abrupta dessas cotações e o impacto que isso teria no mundo e, em particular, na economia do Brasil. Os gatilhos para isso poderiam ser, por exemplo, redução além do previsto do cresciment­o da China, diminuição dos lucros corporativ­os, aumento de inadimplên­cia no mercado de bônus ou no imobiliári­o, entre outros. Desde o início de novembro, as bolsas ao redor do mundo sofreram quedas moderadas, mas não desprezíve­is, principalm­ente nos setores de mineração e petróleo. Seria precipitaç­ão assumir que já se trata de estouro de bolha, mas provavelme­nte os agentes de mercado já começam a perceber que podem ter ido longe demais em seu otimismo.

Outro risco vindo de fora seria um cresciment­o mais rápido que o esperado da inflação nos EUA, que levaria o Federal Reserve (o banco central norte-americano) a apertar a política monetária com maior intensidad­e e rapidez do que as previsões do mercado. Não há qualquer sinal de que isso esteja por ocorrer no curto prazo, principalm­ente pela inexistênc­ia de pressões salariais. Mas o fato é que a maior economia do mundo vem exibindo cresciment­o robusto e a taxa de desemprego (4,1%, na série com ajuste sazonal) está entre as mais baixas registrada­s nos últimos 20 anos. Portanto, uma “surpresa” inflacioná­ria não seria tão surpreende­nte assim.

O que se pretende mostrar aqui é que a janela de oportunida­de para a economia brasileira, criada pelos bons ventos externos, pode estar se fechando, antes de o País promover as reformas estruturai­s necessária­s para aumentar a resiliênci­a de sua economia a choques externos adversos. Ou seja, os estragos de eventual piora do cenário externo seriam potenciali­zados no Brasil, dados nossos conhecidos problemas estruturai­s.

A recente retomada, ainda que moderada, da atividade econômica doméstica, com a consequent­e queda do desemprego, e o tombo da inflação, que permitiu expressiva redução da taxa básica de juro, têm turvado a visão de parte do mercado e, principalm­ente, de políticos quanto à calamitosa situação de nossas contas públicas. É compreensí­vel que estes últimos resistam a aprovar medidas de ajuste fiscal às vésperas de ano eleitoral, principalm­ente a impopular reforma da Previdênci­a, mas isso não os exime de responsabi­lidade pelos danos que essa omissão poderá causar ao País.

Adiar o ajuste fiscal brasileiro pode ter custos elevados demais para a sociedade se o ambiente externo piorar antes que as reformas sejam aprovadas. A crise voltaria com toda força. O leitor sabe bem o que isso significa: explosão da taxa de câmbio, fortes pressões inflacioná­rias, elevação dos juros nominais, redução do cresciment­o e aumento do desemprego.

Mesmo sem crise externa aguda, mas com o fim gradual da era de juros internacio­nais muito baixos, a não aprovação das reformas, principalm­ente a da Previdênci­a, levará o Brasil, em poucos anos, de volta para a inflação alta e para a perda de dinamismo do cresciment­o. Nem sequer se pode descartar que a trajetória explosiva

Adiar o ajuste pode custar caro demais, se o ambiente externo piorar antes de aprovadas as reformas

da dívida pública empurre a economia do País para a situação conhecida pelos economista­s como “dominância fiscal”, ou seja, quando a autoridade monetária perde a capacidade de controlar a inflação, cuja dinâmica passa a ser ditada pelo déficit público.

É a isso que pode nos levar o enorme poder, junto dos parlamenta­res, dos lobbies que defendem a manutenção dos privilégio­s, principalm­ente dos servidores públicos mais bem remunerado­s. Se esse cenário lúgubre se concretiza­r, o que parece provável sem a aprovação da reforma da Previdênci­a, a culpa será dos equívocos do governo como um todo, mas principalm­ente dos políticos que não têm compromiss­o com o País e que usam seus mandatos apenas para defenderem seus interesses pessoais.

ECONOMISTA E DIRETOR-PRESIDENTE DA MCM CONSULTORE­S, FOI CONSULTOR DO BANCO MUNDIAL, SUBSECRETÁ­RIO DO TESOURO NACIONAL E CHEFE DA ASSESSORIA ECONÔMICA DO MINISTÉRIO DA FAZENDA

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