O Estado de S. Paulo

A revolução das startups, longe da tecnologia

Um novo grupo de empresas inovadoras chega para revolucion­ar a indústria americana de bens de consumo

-

Tommy John, uma startup baseada em Manhattan, assemelha-se de vários modos a uma empresa de tecnologia do Vale do Silício. Em seu site, a companhia bancada por capital de risco exalta seus materiais inovadores e designs patenteado­s. Ao recrutar talentos, descreve-se como “disruptiva” e “revolucion­ária”. Mas a Tommy John não mexe com hardware, software ou qualquer outra referência à tecnologia de ponta. Ela fabrica roupas íntimas masculinas.

Seguindo o exemplo de marcas bem-sucedidas no e-commerce, como a fabricante de óculos Warby Parker, e a Casper, de colchões, um crescente número de startups está reimaginan­do itens do consumo doméstico do dia a dia – de calças e meias a escovas de dente e utensílios de cozinha. Essas empresas “direto ao consumidor” (DTC, na sigla em inglês) contornam as lojas convencion­ais para levar seus produtos diretament­e ao cliente por meio de lojas online. Elas começaram há anos a chamar a atenção das empresas de capital de risco, que já investiram nelas mais de US$ 3 bilhões desde 2012.

O sucesso de algumas DTCs atraiu uma legião de interessad­os, o que criou um mercado movimentad­o e vem levando analistas a especular se o boom já atingiu o limite.

O modelo de negócio surgiu primeiro em áreas dominadas por empresas consolidad­as e com grandes margens de lucro, como fabricante­s de óculos e de lâminas de barbear. Em 2010, a Gillette, maior fabricante mundial de lâminas, dominava 70% do mercado americano. Desde então, a Dollar Shave Club e a Harry’s, duas empresas de serviços por assinatura que vendem lâminas por uma fração do preço das grandes marcas, conquistar­am mais de 5 milhões de clientes. A fatia da Gillette caiu para 54%.

A Hubble Contacts, fundada em 2016, quer fazer o mesmo com a indústria de US$ 8 bilhões de lentes de contato, dominada por gigantes como Johnson & Johnson e Bausch + Lomb. “Lentes são um produto ideal para o modelo DTC por serem um produto que os usuários consomem regularmen­te”, disse Jesse Horwitz, um dos fundadores da Hubble. A startup está a caminho de gerar US$ 20 milhões em vendas em 2017 e vem atraindo dinheiro captando recursos de vários investidor­es em negócios nascentes.

Startups que não conseguem vencer as donas do mercado no quesito preço precisam se diferencia­r por outros modos. A Casper conquistou clientes ao se livrar de partes “chatas” do processo de compra de colchões, como ter de escolher entre dezenas de produtos semelhante­s e regatear com vendedores insistente­s. A Allbirds, fabricante de tênis baseada em São Francisco, vem ajustando o desenho de seus 27 modelos com base em sugestões de clientes.

Os investidor­es dizem que a marca e o marketing são cruciais para uma startup DTC ter sucesso. Sophie Bakalar, da VC Collaborat­ive Fund, afirmou que a primeira coisa que sua equipe examina numa startup cliente é a marca. Malas e valises da Away, empresa fundada por dois ex-Warby Parker, apareceram na Vogue e foram elogiadas por celebridad­es como a supermodel­o Karlie Kloss.

A maioria dos clientes, porém, conheceu a marca nas redes sociais, com pessoas aparenteme­nte bem-sucedidas compartilh­ando imagens de suas malas e maletas artisticam­ente “abandonada­s” em camas de hotel ou desfilando em frente de pontos turísticos icônicos. A equipe de mídia social da Away coleta e redistribu­i esses posts na conta da empresa no Instagram, que tem 140 mil seguidores. Neste ano, a empresa espera faturar US$ 50 milhões.

Desafios. Com todo o agito em torno delas, essas marcas que vendem diretament­e aos consumidor­es ainda enfrentam grandes obstáculos. “O desafio supera a gritaria”, disse Kristen Green, da Forerunner Ventures, investidor­a de venture capital em empresas como a Bonobos, varejista de roupas. Algumas empresas DTC preferem focar um único item para o quarto de dormir, cozinha ou banheiro, para trabalhar melhor seus produtos.

Além disso, gigantes de bens de consumo e do varejo, inicialmen­te lentos ao responder à competição dessas startups, começam a reagir – de duas maneiras. A primeira é facilitar a compra de seus produtos, tanto pela expansão de sua própria distribuiç­ão, como a Procter & Gamble (dona da Gillette), ou em parceria com a Amazon.

A segunda tática das grandes empresas é aquilo com que sonham os fundadores de todas as DTCs e os fundos que as financiam: trata-se da aquisição de jovens rivais. A Unilever, por exemplo pagou US$ 1 bilhão pela Dollar Shave Club em 2016; o Walmart gastou US$ 310 milhões com a Bonobos, em junho; e nesta semana a P&G anunciou a aquisição da Native, de desodorant­e, sem revelar valor.

Essa onda de compras explica por que o otimismo ainda é alto, mesmo com mais startups batalhando para conseguir um nicho. O ramo de bens de consumo continua tomado por uma “revolução DTC”, disse Emily Heywar, da Red Antle, uma agenciador­a de marcas. Um confortado­r pensamento para compradore­s de roupa íntima.

Após surgimento de startups em seu setor, fatia da Gillette no mercado de lâminas dos EUA caiu de 70% para 54%

© 2017 THE ECONOMIST NEWSPAPER LIMITED. DIREITOS RESERVADOS. TRADUZIDO POR ROBERTO MUNIZ, PUBLICADO SOB LICENÇA. O TEXTO ORIGINAL EM INGLÊS ESTÁ EM WWW.ECONOMIST.COM

 ?? THE NEW YORK TIMES ?? Confecções. A rede Bonobos foi comprada pelo gigante Walmart
THE NEW YORK TIMES Confecções. A rede Bonobos foi comprada pelo gigante Walmart

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil