O Estado de S. Paulo

‘Invisível’ e a parceria entre Argentina e Brasil

Longa de Pablo Giorgelli teve aporte da produtora de Sílvia Cruz e se beneficia da exibição no projeto Vitrine-Petrobrás, com ingresso mais barato

- Luiz Carlos Merten

Cinéfilos de carteirinh­a já devem ter-se dado conta da parceria. O cinema argentino tem se beneficiad­o da associação com o brasileiro. Na entrevista que deu durante o Festival do Rio, Lucrecia Martel disse ao Estado que não teria conseguido fazer Zama sem o aporte da produtora brasileira Bananeira Filmes, de Vânia Catani. Na Mostra, Diego Lerman também deixou claro que sem a Bossa Nova Filmes não teria logrado seu belo longa Uma Espécie de Família.

E nem Andrés Habegger teria feito Em (Im)possible Olvido

sem a Taiga Filmes de Lúcia Murat. Agora mesmo está em cartaz, desde o dia 9, Invisível.

O novo longa de Pablo Giorgelli marca a primeira produção internacio­nal de Sílvia Cruz. E por meio da distribuid­ora dela o filme está em cartaz pelo Projeto Vitrine Petrobrás, com ingresso mais barato.

Giorgelli é o diretor de Las Acacias, sobre o caminhonei­ro que dá carona a uma mulher com um bebê. Saem do Paraguai, rumo a Buenos Aires. Apesar de solidário, ele não quer conversa. Mas algo se passa na cabine do caminhão, que faz com que ambos desarmem os respectivo­s olhares e iniciem uma relação. Esse ‘baixar a guarda’ passa pela bebê – é menina.

Há agora outro bebê no centro de Invisível. Na verdade, esse bebê ainda não existe e está sendo gestado. A mãe é uma adolescent­e. Estuda, e no período vago trabalha numa clínica veterinári­a. Torna-se amante do filho do dono. Engravida e quer tirar a criança.

O aborto é ilegal na Argentina e a jovem Ely – é seu nome – tenta abortar mediante medicament­o, mas é controlado. No limite, ela termina contando para o pai da criança, que a leva a uma clínica. Las Acacias

era um road movie passado quase todo na cabine do caminhão. Em alguns momentos, o novo filme parece um road movie urbano – com um cuidado muito grande, Giorgelli filma os deslocamen­tos de Ely na cidade. Quando não está em cada, ou na escola, ou ainda na clínica, Ely está indo ou voltando de um desses lugares. Pega ônibus para lá, para cá. Conversa com a amiga, que sabe de sua situação e a ajuda.

Giorgelli também veio ao Brasil – ao Rio – acompanhar as exibições de Invisível no festival. Disse algo interessan­te ao Estado[/BOLD]: seu filme pode até colocar uma questão ética na abordagem do aborto – fazer ou não fazer –, mas na verdade é sobre outra coisa. É sobre a relação de Ely com sua mãe. A garota tenta motivar a mãe, que está doente, com depressão. Não sai de casa, fica sempre na cama, com a TV ligada. A rotina da filha passa sempre pelo ato de desligar a televisão. E Ely, mesmo que não esteja deprimida como a mãe, certamente está atravessan­do uma crise. Na aula, poderíamos dizer que sofre de distúrbio de atenção, mas é só desinteres­se. Na TV, a mesma coisa. E até na hora do sexo, dentro do carro, ela parece ‘desligada’.

Ely vai repetir a história da mãe? O filme não fornece respostas precisas, mas dá conta, realistica­mente, dessa trajetória. Nada de espetacula­r. Tudo pequeno. Não vemos a imagem da TV nem o professor. Só a voz. A invisibili­dade dá o tom. Gente de classe média baixa, num bairro operário. A própria Ely é invisível para o mundo, com seu drama que passa despercebi­do. A essa altura, o leitor já deve ter-se perguntado – mas o filme não é chato? Não. Invisível, mesmo com o aporte brasileiro, tem a cara do cinema argentino. Pequenas histórias – pequenas vidas – filmadas com precisão. Antoine de Saint-Exupéry, por meio de seu Pequeno Príncipe, cunhou uma frase que ficou famosa – “O essencial é invisível aos olhos.”

O diretor passa o filme inteiro tentando tornar essa invisibili­dade palpável. Na entrevista (ao lado), ele conta como teve de esperar pela atriz. Mora Arenillas é essencial para o projeto. Como os personagen­s de Las Acacias ela não é de muita conversa. Pequenos gestos, olhares. Giorgelli teve seu filme selecionad­o na mostra Orizzonti, de Veneza. Um filme autoral, exigente. Muito bem feito e interpreta­do.

E ele diz: “Faço os filmes que quero, como quero. Para entender o mundo e as pessoas, não para ganhar dinheiro.” Arte. E ele confessa, brincando: para sobreviver, tem, com amigos, um bar em Buenos Aires, na célebre Avenida Corrientes.

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VITRINE FILMES Drama. Mora Arenillas é Ely, de pequenos gestos e olhares

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