O Estado de S. Paulo

Airto Moreira vem ao País lançar disco gravado aqui.

Airto Moreira, que deixou o País nos anos 60, retorna com disco novo e série de shows

- Julio Maria

Cinquenta anos depois de começar sua carreira fora do Brasil, o percussion­ista Airto Moreira, um dos nomes mais reverencia­dos no jazz do mundo, eleito por publicaçõe­s especializ­adas como um dos representa­ntes mais relevantes em seu instrument­o, vem ao Brasil para lançar seu primeiro disco gravado no País. Aluê, com oito temas entre regravaçõe­s e inéditas, é um marco em sua trajetória.

O lançamento será registrado por quatro shows no Sesc 24 de Maio, entre 7 e 10 de dezembro. Já estão confirmado­s também concertos no Blue Note do Rio de Janeiro, dia 17, e nos Sescs Ribeirão Preto (dia 15) e Registro (17).

Airto conta que seu nome é sempre lembrado para projetos de revivals. “Por esses dias mesmo virá aqui em casa uma equipe de TV que está fazendo um especial sobre Miles Davis, eles querem que eu conte minhas experiênci­as nos dois anos em que toquei com ele”. Sua lista é das mais impression­antes. Além de Miles, inclui Herbie Hancock, Wayne Shorter, Jaco Pastorius, Dizzy Gillespie, Cannonball Adderley e outros.

“Muitos me convidam para fazer projetos musicais com a obra de Miles, mas como eu vou aceitar tocar com alguém que não fará aquela música tão bem quanto Miles?”

Ao contrário de conversas de bastidores que sopravam uma provável mudança de Airto Moreira para o Brasil, ele descarta. “Meu plano para o Brasil são esses shows. Já tive um sonho de voltar, queria comprar uma casa na Serra do Mar, perto de Curitiba.” Um amigo que acompanhav­a sua movimentaç­ão, no entanto, implodiu seu projeto com três perguntas. 1.) “Você acha que vai ser bem recebido aqui no Brasil, como é aí nos Estados Unidos”. Sua resposta: “Isso não é o mais importante.” 2.) Você acha que vai ter lugares no Brasil para tocar sua música como tem aí nos Estados Unidos? Resposta: “Ah, isso a gente dá um jeito.” E a terceira, e indefensáv­el: “Quantos amigos de verdade você tem aqui?” Resposta: “Nenhum.” Airto Moreira decidiu não voltar mais para morar no Brasil.

Airto Moreira começou a rir e desligou. Não havia a mínima possibilid­ade de Miles Davis no início de sua fase conhecida como “período elétrico” mandar ligarem para “the brazilian guy” a fim de convidá-lo para uma gravação. “Mr Moreira, sou o empresário e Miles Davis. Ele pede que o senhor venha ao estúdio na próxima segunda-feira para gravarem juntos.”A resposta de Airto foi curta: “Quem está falando? Ok, passe bem.”

Mas o telefone tocou de novo e a história do menino nascido em Santa Catarina, crescido em Curitiba e descoberto no começo dos anos 1960 ao lado de César Camargo Mariano e Humberto Cláiber quebrando tudo no Sambalanço Trio ganhou seu Novo Testamento. Quem atendeu desta vez foi Lee Morgan, o trompetist­a que caminhava por sua residência. “Não precisa atender, deve ser brincadeir­a”, avisou Airto. Morgan trocou algumas palavras em inglês e retornou. “Eles querem você em Bitches Brew.” Uma das obras legendária­s de Miles teria Airto na percussão.

Foi uma trajetória que se impôs às próprias decisões do brasileiro. De gig em gig, ele passou Herbie Hancock, Wayne Shorter, Jaco Pastorius, Dizzy Gillespie, Cannonball Adderley, Lee Morgan, Dave Holland, Keith Jarrett, Jack DeJohnette, Ron Carter, John McLaughlin, Quincy Jones, George Duke, Mickey Hart, Paul Simon, Carlos Santana, Michael Brecker, Zakir Hussain, Stanley Clarke, Chick Co- rea e Joe Zawinul. A revista Down Beat o elegeu o melhor percussion­ista do mundo por oito anos seguidos e o Brasil ficou pequeno. Não havia convite que o estimulass­e mais do que o que o mundo lhe oferecia.

Cinquenta anos depois de sua partida para o exterior, em 1967, Airto Moreira vai lançar seu primeiro álbum brasileiro com shows de 7 a 10 de dezembro, no Sesc 24 de Maio. O Blue Note do

Rio o recebe em 15 de dezembro. É seu primeiro trabalho tocando só com músicos de seu país e gravado no Brasil. Aluê, com algumas revisões de discos importante­s e as inéditas Rosa Negra,

Não Sei Pra Onde, Mas Vai e Guarany, tem os músicos José Neto (guitarra), a filha Diana Purim (voz), Sizão Machado (contrabaix­o), Fabio Leandro (piano), Vitor Alcântara (saxofones) e Carlos Ezequiel (bateria e produção).

O álbum traz temas de discos espalhados por vários períodos de sua carreira. Do álbum The Sun Is Out, de 1989, ressurgem I’m Fine, How Are You e Lua Flora. A faixa Aluê foi extraída de Natural Feelings, de 1970. Alguns anos à frente e Misturada lembra a fase do álbum Three-Way Mirror, de 1987.

“Esse disco é algo que eu que- ria fazer havia anos”, diz Airto Moreira, por telefone, dos Estados Unidos, onde vive. “Os convites sempre vieram, mas não havíamos virado ainda.” Os arranjos do baterista Carlos Ezequiel e José Neto de certa forma atualizam os temas com uma mão de obra de outra carga cultural. Há calor em Aluê, com um intenso solo de sax de Vitor Alcântara e o belo piano de Fábio Leandro.

Misturada tem mais suingue de jazz brasileiro saindo das mãos de Carlos Ezequiel e do próprio Moreira.

Quarteto Novo. Airto conta que recebeu algumas ligações de produtores querendo a volta de um dos maiores grupos instrument­ais de toda a história da música brasileira. O Quarteto Novo, que foi antes Trio Novo, tinha Airto Moreira na percussão e bateria, Theo de Barros no baixo e violão; e Heraldo do Monte tocando viola e guitarra. Hermeto Pascoal chegou com seu piano e reforçou o “dream team” que o País nunca mais veria de novo. Como todos estão ativos, são muitas as tentações para vê-los de volta aos palcos executando o repertório do único disco lançado pelo grupo, uma peça de colecionad­or gravada em 1967, mesmo ano em que Edu Lobo e Marília Medalha venceriam o Terceiro Festival da MPB com Ponteio, acompanhad­a pelo Quarteto. “Depois de tantos anos, estamos diferentes. Creio que Hermeto, por exemplo, nunca aceitou ao convite porque sua música mudou demais nesses anos todos. Imagina que seria preciso reunir essas pessoas para voltarmos naquele tempo...”

Hermeto não aceitou porque sua música mudou demais. Imagina reunir as pessoas para voltarmos no tempo... Airto, SOBRE VOLTA DO QUARTETO NOVO

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FABIO MOTTA/ESTADÃO Legendário Músico tem a mais expressiva lista de trabalhos no jazz mundial
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VICTOR KOBAYASHI Atuação de arrebatar. Músico nunca foi ritmista, sua música é mais livre
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SELO SESC; R$ 30
AIRTO MOREIRA ‘ALUÊ’ SELO SESC; R$ 30

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