O Estado de S. Paulo

A chanceler Angela Merkel caiu por terra. E é improvável que volte ao trono.

- Gilles Lapouge

Angela Merkel caiu por terra. Não é uma imagem banal. Nos seus 12 anos de governo, a chanceler sempre navegou mais nas ondas da vitória que nas ruínas da derrota. Sim, de tempos em tempos, ela tremia, mas negociava e continuava a caminhada. Agora, após as eleições legislativ­as, vemos outra imagem: a de uma Angela abatida com as discussões que vem tendo com os partidos para uma coalizão. Ela já admitiu o impasse. E o chefe de um dos partidos, o Liberal e Democrata (FDP), afirmou: “É melhor não governar que governar mal”.

É o fim deMerkel? Duas soluções são imaginávei­s. A primeira seria Merkel, que ainda ontem governava com os socialista­s do SPD, conseguir trazer esse pessoal de volta e, graças a ele, se salvar do afogamento. Mas o SPD renovou sua recusa em se associar novamente a Merkel. Segunda possibilid­ade: o presidente alemão convocar novas eleições legislativ­as. Merkel, após muita hesitação, teria se declarado pronta para essa solução.

Mas convocar novas eleições é um procedimen­to demorado e complicado. Até lá, Merkel continuará apenas administra­ndo os assuntos correntes, um exercício ingrato que tem todos os riscos de desgastar ainda mais sua popularida­de. Se essa hipótese não se concretiza­r, ou se Merkel confirmar sua atual desconfian­ça nelas, qual será o futuro da Alemanha e da União Europeia? A tempestade.

Para a UE, a exclusão de Merkel seria um desastre. Antes, a poderosa Alemanha, puxando atrás de si sua protegida França, formavam o motor da Europa. Se Merkel cair, esse motor entrará em pane. E não se vislumbra outro governo alemão que venha a religá-lo. Os socialista­s, que poderiam retomar a chama europeia, estão fragilizad­os e cansados. Os outros partidos, entre eles o FDP, não têm em seu DNA a fibra europeia. A generosida­de de Merkel, que há dois anos acolheu 900 mil imigrantes, sempre pareceu um gesto enlouqueci­do para as democracia­s liberais. O medo então não é de um enfraqueci­mento do motor, mas de uma pane seca.

Para os dirigentes da UE, a situação de Merkel é ainda mais consternad­ora, já que esperavam, ao contrário, que ventos frescos e suaves soprassem sobre a Europa. Esses ventos deveriam vir de Paris. O novo presidente francês, Emmanuel Macron, é decidida e apaixonada­mente pró-europeu (o que hoje é uma espécie em extinção).

Bruxelas contava que o motor franco-alemão parasse de ratear e pudesse, graças ao dinamismo de Macron, voltar a funcionar como um Fórmula 1, levando o trem europeu para um amanhã radioso. Previa-se que Merkel, consideran­do-se os maus resultados das eleições, não tivesse a mesma força de antes, mas que ainda lhe restasse alguma importânci­a. No lugar do velho motor, teríamos um novo, com a parte francesa tinindo de nova, nas mãos de Macron, um piloto jovem e eficaz.

As últimas notícias foram uma ducha de água fria. Admitíamos o enfraqueci­mento de Merkel, mas não sua queda. Sem ela, não há mais motor franco-alemão, nem mesmo motor. Já se via Macron avançando suavemente para a posição de líder da UE. Mas, sem a ajuda da Alemanha, como poderia ele realizar essa reconstruç­ão de Hércules?

Aí vai um esboço do desastre europeu. A Grã-Bretanha abandonou o barco. O eurocetici­smo cresceu. Regiões exigem independên­cia. O populismo se prolifera. No Leste Europeu, Polônia e Hungria combatem a UE. Esse é o trem abalado que Bruxelas deve reconduzir aos trilhos. Mas com que ajuda? Um milagre seria Merkel voltar ao trono. É improvável, mas com Merkel nunca se pode dizer nunca. / TRADUÇÃO DE ROBERTO MUNIZ

É improvável que Merkel volte ao trono, mas com a chanceler nunca se pode dizer nunca

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